02/03/2013 07h50
- Atualizado em
04/03/2013 14h39
MEC diz que 42 mil escolas terão sala de apoio a alunos deficientes até 2014
Convenção da ONU de 2007 destacou direito dos deficientes à educação.
Desde então, número de matrículas nas escolas comuns quase dobrou.
Ana Carolina Moreno
Do G1, em São Paulo
Apesar de garantido pela Constituição, o acesso de pessoas com
deficiência à educação gratuita e de qualidade só atingiu números mais
expressivos a partir de 2007, quando a ONU aprovou a Convenção das
Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. No artigo
24, o texto reafirma que pessoas com deficiência têm o direito à
educação “em igualdade de condições com as demais pessoas na comunidade
em que vivem”.
O
autismo, segundo Adriana Ramos, do Centro Lumi, é alvo de preconceito
de escolas, preocupadas com o comportamento dos alunos (Foto: Raul
Zito/G1)
Para cumprir as exigências da convenção, ratificada pelo Congresso
Nacional em 2009, governos federal, estaduais e municipais tiveram que
acelerar o processo de capacitação dos professores para atender a
estudantes com necessidades especiais. O
Ministério da Educação
publicou suas diretrizes em uma política nacional sobre o tema em 2007,
na qual define a educação inclusiva como “complementar ou suplementar à
escolarização” dos estudantes especiais matriculados em classes comuns.
No ano seguinte, dados do Censo Escolar mostraram que o número de
matrículas de alunos com deficiência nas escolas comuns ultrapassou,
pela primeira vez, o de crianças em escolas especiais ou em classes
separadas para elas nas escolas regulares: 374.537 contra 315.553. Desde
então, a diferença só aumentou
(veja a tabela abaixo). As matrículas podem se repetir nas duas modalidades, já que algumas crianças frequentam ambos os tipos de escola.
EVOLUÇÃO DAS MATRÍCULAS ESCOLARES DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA* |
|
2005 |
2006 |
2007 |
2008 |
2009 |
2010 |
2011 |
Escolas especiais** |
378.074 |
375.488 |
341.781 |
315.553 |
252.687 |
218.271 |
193.882 |
Escolas comuns |
262.243 |
325.136 |
304.882 |
374.537 |
387.031 |
484.332 |
558.423 |
Fonte: Censo Escolar (MEC/Inep)
*As matrículas podem se repetir nas duas modalidades / **Inclui classes especiais dentro de escolas comuns | | |
O modelo do MEC inclui, além da inserção da criança na sala de aula
regular, uma carga horária extra que a criança cumpre, no contraturno,
em uma sala com recursos multifuncionais na própria escola, em uma
escola próxima ou com um professor especializado itinerante que vai até
os alunos.
O MEC afirma que, entre 2005 e 2011, abriu 37.800 dessas salas, usadas
para atividades individualizadas com os alunos especiais em horários
além dos que eles passam na sala de aula comum, abrangendo 90% dos
municípios do país. A pasta diz que espera contemplar 42 mil escolas com
esse recurso até 2014.
Hércules Antunes, de 12 anos, faz exercício com uma professora exclusiva na sala de aula da Emef Pedro Nava, em SP (Foto: Ana Carolina Moreno/G1)
Em São Paulo, o governo estadual mantém salas específicas para cada
deficiência. Segundo Neusa Souza dos Santos Rocca, diretora do Centro de
Atendimento Especializado (Caesp), ligado à Secretaria do Estado de
Educação, em 2013 serão abertas as primeiras salas dedicadas
especificamente a alunos com autismo. Ela afirma que os 40.715
estudantes com deficiência intelectual matriculados na rede são maioria
no universo de alunos com necessidades especiais.
Em 2012, a pasta ofereceu 22 ações de capacitação para os profissionais
da rede pública estadual, com uma média de participação de mais de 7
mil professores. “Nós tentamos o tempo todo fazer a formação desses
profissionais, muitos deles formados em uma época em que não se dava
formação inicial para lidar com deficientes”, explicou Neusa.
Atualmente, o currículo obrigatório dos cursos de pedagogia inclui
disciplinas sobre o tema.
A rede municipal de ensino de São Paulo também equipa as escolas com as
Salas de Apoio e Acompanhamento à Inclusão (Saai) e promove a formação
continuada dos professores. Além disso, os governos estimulam que os
professores complementem sua formação em cursos de especialização e
pós-graduação no ensino especial.
'Cresci muito mais como ser humano'
Márcia Aparecida dos Santos de Oliveira Fausto, de 48 anos, atua há 28
como professora da rede pública municipal de São Paulo. A constante
presença de crianças com necessidades especiais em sua classe a levou a
uma pós-graduação em educação especializada. Desde 2007, ela trocou as
classes com dezenas de crianças por uma saleta no térreo da Emef Pedro
Nava, no Rio Pequeno, Zona Oeste de São Paulo.
A professora Márcia Aparecia Fausto, de 48 anos, é responsável pelo apoio especializado a alunos com deficiência (Foto: Ana Carolina Moreno/G1)
Na Saai, Márcia se dedica ao desenvolvimento de 14 crianças especiais
da escola, e outras oito matriculadas em escolas municipais do bairro. A
professora explica que não basta que os pais entreguem seus filhos à
escola. “Os professores também têm que receber essas crianças, acolher
essas crianças”, diz.
Um dos aprendizados pelos quais os professores passam, segundo ela, é
deixar de focar nas dificuldades das crianças e, em vez disso, olhar
para suas qualidades e potenciais.
A mudança, segundo Márcia, foi significativa em sua carreira e na vida
pessoal. A professora afirma que a convivência com pessoas com
necessidades especiais amplia o olhar de quem é considerado “normal”
sobre o quanto a sociedade exclui as diferenças. “Cresci muito mais como
ser humano, passei a enxergar as crianças com mais paciência, enxergar
as pequenas coisas. Você fica mais atenta, vê se a rua tem
acessibilidade, por exemplo.”
Públicas à frente das privadas
Para Adriana Moral Ramos, coordenadora do Centro Terapêutico e
Educacional Lumi, especializado em pessoas com autismo e localizado no
bairro do Butantã, Zona Oeste da capital paulista, as escolas públicas
hoje estão mais habilitadas a receber crianças com deficiência porque,
como são obrigadas a aceitar as matrículas, elas já têm mais
experiência.
“Eu percebo que a escola pública tem mais experiência que as privadas,
porque ela é obrigada a receber os alunos. Na realidade a lei é para
todas, mas na prática você ainda tem escolas recusando”, afirma.
“Normalmente o que a particular faz é pedir um acompanhante terapêutico,
jogar a responsabilidade no acompanhante.”
Somos parte de um processo de construção, estamos ajudando a escrever
essa história. Talvez nossos netos estarão mais perto do ideal. Mas
esses alunos na sala de aula hoje é que vão construir o ideal"
Maria Celma Cordeiro,
professora do Cefai, da Prefeitura de SP
Por outro lado, segundo ela, o principal problema das escolas públicas é
o grande número de alunos na sala de aula, o que dificulta o
desenvolvimento de crianças que necessitam de uma atenção especial. O
centro onde Adriana trabalha tem apenas 30 alunos, com idades entre
quatro e 35 anos, que recebem atendimento individualizado tanto em
atividades educativas quanto terapêuticas, como fonoaudiologia,
musicoterapia e terapia ocupacional.
A procura pela instituição especializada acontece depois que os pais
encontram muitos obstáculos para a integração de seus filhos especiais
na escola comum. “A ideia é que não haja mais escolas especiais. Talvez
isso aconteça no futuro, mas hoje as escolas não estão preparadas para
receber esse público”, afirmou.
De acordo com Maria Celma Evangelista Cordeiro, professora do Centro de
Formação e Acompanhamento à Inclusão (Cefai), da Secretaria Municipal
de Educação de São Paulo, a situação atual das escolas em relação à
educação inclusiva ainda não é ideal, mas está em evolução. "Somos parte
de um processo de construção, estamos ajudando a escrever essa
história. Talvez nossos netos estarão mais perto do ideal. Mas esses
alunos na sala de aula hoje é que vão construir o ideal", afirmou.
Fonte: G1.com