Um dado novo pode colocar em xeque a cultura do bacharelado, ainda dominante no Brasil: estão faltando profissionais qualificados para ocupar cargos nas mais diversas áreas, muitas delas técnicas. Por outro lado, oferecer um leque mais abrangente de formação profissional e específica pode abrir uma nova fonte de receita para as instituições. A exemplo do que ocorre em outros países onde é cada vez maior a flexibilização da educação formal, valorizando mais as habilidades e competências do que o diploma, cresce no Brasil o espaço para cursos técnicos profissionalizantes de ensino médio e superior e mesmo para cursos de certificação ou de extensão, feitos de forma presencial ou a distância. Com isso, as instituições de ensino superior podem buscar novos caminhos - o segredo é ficar de olho nos dados econômicos e descobrir em que áreas estão as demandas para a criação de novos cursos.
Embora o bacharelado ainda ocupe posição de destaque em termos de reconhecimento social e profissional, demandas do crescimento econômico têm contribuído para que ocorra uma mudança no perfil de formação no Brasil, impulsionando a procura por cursos que fogem do bacharelado. Uma pesquisa feita pela FGV, com base em dados da Pnad (IBGE), mostrou que em 2004 cerca de 12,5% dos jovens em idade escolar concluíam cursos de qualificação profissional - de nível médio ou superior, mas profissionalizante. Em 2010, esse número subiu para 21,8%, quase dobrando o número de formados nesta modalidade de ensino.
Essa tendência também é confirmada pelo Censo da Educação Superior, feito pelo Inep. Segundo os dados do censo, o total de cursos superiores de tecnologia, por exemplo, subiu de 636, em 2002, para 4.355 em 2008, um aumento de quase 600%. A oferta de graduações feitas a distância cresceu ainda mais: passou de 46 cursos, em 2002, para 647, em 2008, um crescimento de 1.300%. Já os cursos de graduação presencial nem chegaram a dobrar: passaram de 14.399, em 2002, para 24.719, em 2008.
A preferência pelo bacharelado é intrínseca à cultura brasileira, que sempre valorizou o "doutor" que possui um diploma de ensino superior especialmente em engenharia, medicina ou direito, em detrimento daqueles que exerciam profissões técnicas. E essa valorização dos bacharéis sempre foi acompanhada por salários mais altos. Hoje, com a falta de técnicos no mercado, esse profissional bem formado tem conseguido salários equivalentes ou até melhores do que o de muitas pessoas que tiveram uma formação abrangente no bacharelado, afirma Marcos Facó, superintendente de marketing da Fundação Getulio Vargas (FGV). "Com isso, a tendência é de que os cursos profissionais tendam a crescer", aposta.
A ênfase no bacharelado, no entanto, não chega a fazer com que o país tenha um excesso desses profissionais. Ao contrário, há um déficit educacional generalizado no Brasil, o que torna insuficiente o número de profissionais qualificados no mercado. Os cursos profissionalizantes são apenas uma resposta mais rápida e focada para esse déficit, que fica evidente com o crescimento da importação de mão de obra.
A Coordenação Geral de Imigração (GGI), do Ministério do Trabalho, divulgou uma pesquisa segundo a qual o Brasil concedeu 11.530 autorizações de trabalho a estrangeiros no primeiro trimestre deste ano, um volume recorde para o período. Nos últimos cinco anos, foram quase 180 mil os estrangeiros que receberam visto para trabalhar no Brasil. Desses, 90% têm diploma universitário, ensino médio completo ou algum grau de especialização técnica. A pesquisa aponta ainda que as concessões de visto de trabalho a estrangeiros no Brasil crescem a uma média anual de 17%.
O estudo revela uma falta de mão de obra especializada, em especial nas áreas de indústria, infraestrutura, energia, petróleo e gás. Rio de Janeiro e São Paulo foram os estados que mais receberam esses profissionais estrangeiros. No Rio 62% deles vieram para trabalhar em plataformas que exploram petróleo e gás (a íntegra da pesquisa pode ser acessada no link www.trabalho.gov.br/observatorio/trabalhadores_estrangeiros_final_maio_2010).
Na visão de Roy Mantelarc, professor da Faculdade de Economia e Administração (FEA) da USP e pesquisador da qualidade da gestão nas empresas públicas e privadas do Brasil, o país vive uma falta generalizada de profissionais qualificados - em todos os níveis, do engenheiro ao pedreiro -, com picos de demanda em certos setores. Ele explica que há miniapagões de mão de obra localizados, como, por exemplo, o atual no setor de construção civil, que ocorre devido à execução de muitas obras ao mesmo tempo: as da Copa, das Olimpíadas, as do recente boom imobiliário etc. O mesmo ocorre, de tempos em tempos, na área de informática: quando surge uma linguagem nova, é preciso qualificar muita gente para dar conta da demanda.
Mas não só os setores ligados à indústria, à construção civil ou à tecnologia da informação vivem falta de profissionais qualificados. De acordo com Luiz Edmundo Rosa, diretor de Educação da Associação Brasileira de Recursos Humanos e vice-presidente de Desenvolvimento Humano e Parcerias Educacionais da Anima Educação, no Rio Grande do Sul faltam profissionais que atuem no setor agrícola. "A produção cresceu, a exportação aumentou. E onde estão as pessoas que trabalham nesse setor?", questiona Rosa para explicar que o mercado é formado por uma espécie de vasos comunicantes. "Muitos engenheiros agrônomos foram convertidos em engenheiros aeronáuticos porque houve uma grande demanda da Embraer", exemplifica. Com isso, esse profissional ficou em falta no sul do país.
Para Rosa, os índices educacionais vêm crescendo no Brasil, mas a um ritmo lento, incapaz de repor os profissionais que se aposentam e, ainda, suprir a necessidade cada vez maior de profissionais qualificados.
Asolução para o problema passa por rever a cultura educacional brasileira, introduzindo uma mentalidade mais flexível a respeito da formação profissional, acredita Marcos Formiga, professor da UnB na área de Estudos do Futuro no Brasil e vice-presidente da Associação Brasileira de Educação a Distância (Abed). "O mundo vive outro paradigma e nós estamos atrasados. Os países desenvolvidos usam a educação formal cada vez da maneira mais flexível possível. Cresce no mundo inteiro a educação não formal, em que o diploma é apenas uma modalidade de formação, o curso superior não é obrigatório, pode-se optar pelo técnico ou mesmo por certificações", diz.
Para Formiga, o bacharelado tradicional é "uma rigidez" e deve-se apostar em outras formas de qualificação, como os tecnólogos e mesmo o ensino a distância. "Em outros países, a educação presencial e a feita a distância convivem harmonicamente." Segundo ele, o mundo inteiro já valoriza os cursos superiores de tecnologia e aposta mais na certificação do que na diplomação. "Há uma tendência, que está chegando também ao Brasil, de se valorizar mais as habilidades e competências do que o diploma", diz.
Essa tendência se reflete nos números do ensino superior. Segundo dados do Censo do Ensino Superior, o número de estudantes ingressos na educação tecnológica passou de apenas 38.386, em 2002, para 218.843, em 2008. Crescimento que supera em muito, percentualmente, o dos ingressos na graduação presencial, que foram 1.205.140, em 2002, e 1.505.819, em 2008. Destaca-se o papel das instituições privadas nesta mudança do perfil educacional, já que dos 218.843 ingressos na educação tecnológica em 2008, 194.484 (quase 90%) se matricularam em instituições de ensino superior privadas.
O governo também percebeu a necessidade que o mercado tem de profissionais mais técnicos e passou a investir neste sentido: consolidou os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, que reservam 30% de suas vagas para tecnólogos, e investiu nas redes estaduais por meio do programa Brasil Profissionalizado.
Os cursos superiores de tecnologia constituem um caminho - talvez o principal - para suprir a falta de mão de obra especializada no mercado. Luiz Edmundo Rosa explica que toda empresa precisa de muita gente com capacitação técnica, que vá trabalhar sem se preocupar com a pesquisa. São pessoas com currículo mais objetivo e centrado na prática. Para essa exigência do mercado, o ideal é o tecnólogo e não o bacharel. "Menos de 1% faz pesquisa e impõe aos outros 99% um curso que nada tem a ver com o que procura de fato. Em engenharia, por exemplo, só 10% dos formados vão trabalhar em sua área de formação, como engenheiros", diz Rosa.
Diante da necessidade de tecnólogos, a estratégia das instituições privadas, segundo Roy Mantelarc, deveria ser tentar descobrir, o tempo todo, onde está a demanda: se a construção civil que vai precisar de mão de obra; se o setor agropecuário que está ficando interessante; se a mineração está em alta, já que o Brasil está virando exportador de produtos minerais; se a economia está crescendo, o varejo e tudo o que for ligado a consumo tende a crescer em contrapartida e assim por diante. Só antenada aos rumos da economia é que a instituição poderá oferecer os cursos mais requisitados.
De acordo com Mantelarc, segmentar os cursos superiores de tecnologia pode ajudar a conseguir mais alunos. Por exemplo: se a instituição já tem um curso de turismo, pode criar cursos de turismo de aventura, de turismo esportivo, de turismo em cruzeiros e várias outras alternativas. Um problema que pode surgir com essa tentativa, segundo Mantelarc, é a possível falta de alunos no decorrer do curso. A solução, de acordo com o professor, seria trabalhar com disciplinas compartilhadas para cursos diferentes. Alunos de turismo de aventura, por exemplo, poderiam cursar algumas disciplinas em conjunto com os de ecoturismo ou com os alunos de marketing.
Otimizar as disciplinas, de acordo com Mantelarc, seria não só uma forma de viabilizar cursos muito segmentados, mas também de estimular a mistura de pessoas com pensamentos diferentes, um dos papéis da universidade. "Essa integração reduz os custos e é boa para a formação", afirma Mantelarc.
Investir no ensino técnico profissionalizante não necessariamente significa somente criar mais turmas de tecnólogos. Há também uma enorme demanda por profissionais de nível médio. Para Marcos Facó, as instituições de ensino superior privadas poderiam passar a oferecer cursos técnico-profissionalizantes de nível médio. "Teria mercado", afirma Facó. Impedimentos na lei não há. A instituição só precisa obter autorização prévia da secretaria estadual de Educação. Rosa também vê grande necessidade de mais cursos técnicos de nível médio. "Sem eles não conseguiremos resolver a grande demanda por profissionais da área técnica que temos." O diretor da ABRH explica que todas as empresas têm formato piramidal, precisam de muitos técnicos de nível superior e também de nível médio.
Os tecnólogos e os cursos técnico- profissionalizantes de nível médio constituem um caminho para sanar a falta de profissionais qualificados no mercado, mas não são o único. A certificação - e os cursos que podem preparar os interessados em obter esses certificados - é uma estratégia crescente. "O mundo hoje está mais para a certificação do que para a diplomação. Valoriza mais as habilidades e competências. E essa tendência está chegando ao Brasil", diz Formiga. A certificação tem o papel de proporcionar, a quem sabe fazer, o reconhecimento dessa habilidade, não por meio da educação formal, mas com exames de qualificação que comprovem dominar aquela competência.
A Impacta, por exemplo, já surgiu no mercado com a meta de olhar as tendências e montar cursos de certificação que atendam àquelas demandas específicas. Oferece mais de 300 cursos diferentes atualmente, com formação de curto prazo. Em geral, são cursos de 40 horas que podem ser de nível inicial, médio ou avançado.
O professor Valderes Fernandes Pinheiro, coordenador-geral da Faculdade Impacta Tecnologia (FIT), explica que a faculdade surgiu em seguida, como consequência da certificação, por demanda de alunos que procuravam um conhecimento mais aprofundado depois de se capacitar em certa área e conseguir um lugar no mercado. Ainda assim, os cursos superiores de tecnologia oferecidos pela Impacta seguem a mesma estratégia inicial da empresa: fornecem certificações ao longo da formação, à medida que o aluno conquista certa competência, o que garante uma inserção - ou uma promoção de cargo - ainda mais rápida no mercado de trabalho.
Se a meta é formar profissionais para o mercado, com cursos que garantam a rápida conquista de um emprego, uma solução eficiente é criar cursos em parcerias com empresas. Pinheiro explica que um caminho é a instituição ceder a infraestrutura e permitir que as empresas treinem os próprios alunos com instrutores ou consultores das áreas nas quais necessitam de profissionais. "É um programa ligado à faculdade para melhor formar o aluno. O treinamento é feito em cerca de seis meses e permite aos estudantes conseguir emprego já nos primeiros semestres do curso", diz Pinheiro.
Outra alternativa parecida é criar universidades corporativas. Segundo Rosa, as empresas não podem apenas ficar se lamentando pela falta de profissionais qualificados, precisam ter uma postura mais ativa. "Há casos fantásticos no Brasil em que a empresa vai até a universidade e trabalha em parceria para construir cursos sob medida para suas necessidades", diz Rosa. Segundo ele, esses cursos podem ser criados em todos os níveis, mas a grande necessidade está no superior.
Tão importante quanto estar atento a novas modalidades de cursos para sanar a falta de profissionais qualificados no mercado é pensar em outras formas, além da presencial, para oferecer esses cursos. A Educação a Distância (EAD) tem ganhado cada vez mais espaço e importância. Segundo uma pesquisa elaborada pelo Centro de Estudos sobre Tecnologias da Informação e da Comunicação (Cetic), órgão do Conselho Gestor da Internet no Brasil, quase 63 milhões de pessoas eram usuárias de internet no Brasil em 2009. Dessas, 11% haviam feito algum curso on-line nos três meses anteriores à pesquisa - quase sete milhões de pessoas. A pesquisa não especificava o nível dos cursos: se livre, profissionalizante, de graduação, especialização etc.
Do total de usuários, ainda de acordo com o estudo mencionado acima, 71% disseram usar a internet para treinamento e educação em geral e 16% para buscar informações sobre cursos técnicos a distância.
Para Formiga, a EAD já tem papel essencial na formação dos profissionais de que o país precisa. "A educação moderna dispensa horário, espaços e currículos rígidos. A celeridade dos tempos modernos exige que a escolaridade seja rápida, avançada e adaptada às necessidades locais e pessoais de tempo e espaço, por isso o sucesso tão grande da EAD", diz Formiga. Segundo o vice-presidente da Abed, é na educação corporativa que a EAD tem sido mais bem aproveitada e alcançado os melhores resultados e práticas de sucesso.
Embora o bacharelado ainda ocupe posição de destaque em termos de reconhecimento social e profissional, demandas do crescimento econômico têm contribuído para que ocorra uma mudança no perfil de formação no Brasil, impulsionando a procura por cursos que fogem do bacharelado. Uma pesquisa feita pela FGV, com base em dados da Pnad (IBGE), mostrou que em 2004 cerca de 12,5% dos jovens em idade escolar concluíam cursos de qualificação profissional - de nível médio ou superior, mas profissionalizante. Em 2010, esse número subiu para 21,8%, quase dobrando o número de formados nesta modalidade de ensino.
Essa tendência também é confirmada pelo Censo da Educação Superior, feito pelo Inep. Segundo os dados do censo, o total de cursos superiores de tecnologia, por exemplo, subiu de 636, em 2002, para 4.355 em 2008, um aumento de quase 600%. A oferta de graduações feitas a distância cresceu ainda mais: passou de 46 cursos, em 2002, para 647, em 2008, um crescimento de 1.300%. Já os cursos de graduação presencial nem chegaram a dobrar: passaram de 14.399, em 2002, para 24.719, em 2008.
A preferência pelo bacharelado é intrínseca à cultura brasileira, que sempre valorizou o "doutor" que possui um diploma de ensino superior especialmente em engenharia, medicina ou direito, em detrimento daqueles que exerciam profissões técnicas. E essa valorização dos bacharéis sempre foi acompanhada por salários mais altos. Hoje, com a falta de técnicos no mercado, esse profissional bem formado tem conseguido salários equivalentes ou até melhores do que o de muitas pessoas que tiveram uma formação abrangente no bacharelado, afirma Marcos Facó, superintendente de marketing da Fundação Getulio Vargas (FGV). "Com isso, a tendência é de que os cursos profissionais tendam a crescer", aposta.
A ênfase no bacharelado, no entanto, não chega a fazer com que o país tenha um excesso desses profissionais. Ao contrário, há um déficit educacional generalizado no Brasil, o que torna insuficiente o número de profissionais qualificados no mercado. Os cursos profissionalizantes são apenas uma resposta mais rápida e focada para esse déficit, que fica evidente com o crescimento da importação de mão de obra.
A Coordenação Geral de Imigração (GGI), do Ministério do Trabalho, divulgou uma pesquisa segundo a qual o Brasil concedeu 11.530 autorizações de trabalho a estrangeiros no primeiro trimestre deste ano, um volume recorde para o período. Nos últimos cinco anos, foram quase 180 mil os estrangeiros que receberam visto para trabalhar no Brasil. Desses, 90% têm diploma universitário, ensino médio completo ou algum grau de especialização técnica. A pesquisa aponta ainda que as concessões de visto de trabalho a estrangeiros no Brasil crescem a uma média anual de 17%.
O estudo revela uma falta de mão de obra especializada, em especial nas áreas de indústria, infraestrutura, energia, petróleo e gás. Rio de Janeiro e São Paulo foram os estados que mais receberam esses profissionais estrangeiros. No Rio 62% deles vieram para trabalhar em plataformas que exploram petróleo e gás (a íntegra da pesquisa pode ser acessada no link www.trabalho.gov.br/observatorio/trabalhadores_estrangeiros_final_maio_2010).
Na visão de Roy Mantelarc, professor da Faculdade de Economia e Administração (FEA) da USP e pesquisador da qualidade da gestão nas empresas públicas e privadas do Brasil, o país vive uma falta generalizada de profissionais qualificados - em todos os níveis, do engenheiro ao pedreiro -, com picos de demanda em certos setores. Ele explica que há miniapagões de mão de obra localizados, como, por exemplo, o atual no setor de construção civil, que ocorre devido à execução de muitas obras ao mesmo tempo: as da Copa, das Olimpíadas, as do recente boom imobiliário etc. O mesmo ocorre, de tempos em tempos, na área de informática: quando surge uma linguagem nova, é preciso qualificar muita gente para dar conta da demanda.
Mas não só os setores ligados à indústria, à construção civil ou à tecnologia da informação vivem falta de profissionais qualificados. De acordo com Luiz Edmundo Rosa, diretor de Educação da Associação Brasileira de Recursos Humanos e vice-presidente de Desenvolvimento Humano e Parcerias Educacionais da Anima Educação, no Rio Grande do Sul faltam profissionais que atuem no setor agrícola. "A produção cresceu, a exportação aumentou. E onde estão as pessoas que trabalham nesse setor?", questiona Rosa para explicar que o mercado é formado por uma espécie de vasos comunicantes. "Muitos engenheiros agrônomos foram convertidos em engenheiros aeronáuticos porque houve uma grande demanda da Embraer", exemplifica. Com isso, esse profissional ficou em falta no sul do país.
Para Rosa, os índices educacionais vêm crescendo no Brasil, mas a um ritmo lento, incapaz de repor os profissionais que se aposentam e, ainda, suprir a necessidade cada vez maior de profissionais qualificados.
Asolução para o problema passa por rever a cultura educacional brasileira, introduzindo uma mentalidade mais flexível a respeito da formação profissional, acredita Marcos Formiga, professor da UnB na área de Estudos do Futuro no Brasil e vice-presidente da Associação Brasileira de Educação a Distância (Abed). "O mundo vive outro paradigma e nós estamos atrasados. Os países desenvolvidos usam a educação formal cada vez da maneira mais flexível possível. Cresce no mundo inteiro a educação não formal, em que o diploma é apenas uma modalidade de formação, o curso superior não é obrigatório, pode-se optar pelo técnico ou mesmo por certificações", diz.
Para Formiga, o bacharelado tradicional é "uma rigidez" e deve-se apostar em outras formas de qualificação, como os tecnólogos e mesmo o ensino a distância. "Em outros países, a educação presencial e a feita a distância convivem harmonicamente." Segundo ele, o mundo inteiro já valoriza os cursos superiores de tecnologia e aposta mais na certificação do que na diplomação. "Há uma tendência, que está chegando também ao Brasil, de se valorizar mais as habilidades e competências do que o diploma", diz.
Essa tendência se reflete nos números do ensino superior. Segundo dados do Censo do Ensino Superior, o número de estudantes ingressos na educação tecnológica passou de apenas 38.386, em 2002, para 218.843, em 2008. Crescimento que supera em muito, percentualmente, o dos ingressos na graduação presencial, que foram 1.205.140, em 2002, e 1.505.819, em 2008. Destaca-se o papel das instituições privadas nesta mudança do perfil educacional, já que dos 218.843 ingressos na educação tecnológica em 2008, 194.484 (quase 90%) se matricularam em instituições de ensino superior privadas.
O governo também percebeu a necessidade que o mercado tem de profissionais mais técnicos e passou a investir neste sentido: consolidou os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, que reservam 30% de suas vagas para tecnólogos, e investiu nas redes estaduais por meio do programa Brasil Profissionalizado.
Os cursos superiores de tecnologia constituem um caminho - talvez o principal - para suprir a falta de mão de obra especializada no mercado. Luiz Edmundo Rosa explica que toda empresa precisa de muita gente com capacitação técnica, que vá trabalhar sem se preocupar com a pesquisa. São pessoas com currículo mais objetivo e centrado na prática. Para essa exigência do mercado, o ideal é o tecnólogo e não o bacharel. "Menos de 1% faz pesquisa e impõe aos outros 99% um curso que nada tem a ver com o que procura de fato. Em engenharia, por exemplo, só 10% dos formados vão trabalhar em sua área de formação, como engenheiros", diz Rosa.
Diante da necessidade de tecnólogos, a estratégia das instituições privadas, segundo Roy Mantelarc, deveria ser tentar descobrir, o tempo todo, onde está a demanda: se a construção civil que vai precisar de mão de obra; se o setor agropecuário que está ficando interessante; se a mineração está em alta, já que o Brasil está virando exportador de produtos minerais; se a economia está crescendo, o varejo e tudo o que for ligado a consumo tende a crescer em contrapartida e assim por diante. Só antenada aos rumos da economia é que a instituição poderá oferecer os cursos mais requisitados.
De acordo com Mantelarc, segmentar os cursos superiores de tecnologia pode ajudar a conseguir mais alunos. Por exemplo: se a instituição já tem um curso de turismo, pode criar cursos de turismo de aventura, de turismo esportivo, de turismo em cruzeiros e várias outras alternativas. Um problema que pode surgir com essa tentativa, segundo Mantelarc, é a possível falta de alunos no decorrer do curso. A solução, de acordo com o professor, seria trabalhar com disciplinas compartilhadas para cursos diferentes. Alunos de turismo de aventura, por exemplo, poderiam cursar algumas disciplinas em conjunto com os de ecoturismo ou com os alunos de marketing.
Otimizar as disciplinas, de acordo com Mantelarc, seria não só uma forma de viabilizar cursos muito segmentados, mas também de estimular a mistura de pessoas com pensamentos diferentes, um dos papéis da universidade. "Essa integração reduz os custos e é boa para a formação", afirma Mantelarc.
Investir no ensino técnico profissionalizante não necessariamente significa somente criar mais turmas de tecnólogos. Há também uma enorme demanda por profissionais de nível médio. Para Marcos Facó, as instituições de ensino superior privadas poderiam passar a oferecer cursos técnico-profissionalizantes de nível médio. "Teria mercado", afirma Facó. Impedimentos na lei não há. A instituição só precisa obter autorização prévia da secretaria estadual de Educação. Rosa também vê grande necessidade de mais cursos técnicos de nível médio. "Sem eles não conseguiremos resolver a grande demanda por profissionais da área técnica que temos." O diretor da ABRH explica que todas as empresas têm formato piramidal, precisam de muitos técnicos de nível superior e também de nível médio.
Os tecnólogos e os cursos técnico- profissionalizantes de nível médio constituem um caminho para sanar a falta de profissionais qualificados no mercado, mas não são o único. A certificação - e os cursos que podem preparar os interessados em obter esses certificados - é uma estratégia crescente. "O mundo hoje está mais para a certificação do que para a diplomação. Valoriza mais as habilidades e competências. E essa tendência está chegando ao Brasil", diz Formiga. A certificação tem o papel de proporcionar, a quem sabe fazer, o reconhecimento dessa habilidade, não por meio da educação formal, mas com exames de qualificação que comprovem dominar aquela competência.
A Impacta, por exemplo, já surgiu no mercado com a meta de olhar as tendências e montar cursos de certificação que atendam àquelas demandas específicas. Oferece mais de 300 cursos diferentes atualmente, com formação de curto prazo. Em geral, são cursos de 40 horas que podem ser de nível inicial, médio ou avançado.
O professor Valderes Fernandes Pinheiro, coordenador-geral da Faculdade Impacta Tecnologia (FIT), explica que a faculdade surgiu em seguida, como consequência da certificação, por demanda de alunos que procuravam um conhecimento mais aprofundado depois de se capacitar em certa área e conseguir um lugar no mercado. Ainda assim, os cursos superiores de tecnologia oferecidos pela Impacta seguem a mesma estratégia inicial da empresa: fornecem certificações ao longo da formação, à medida que o aluno conquista certa competência, o que garante uma inserção - ou uma promoção de cargo - ainda mais rápida no mercado de trabalho.
Se a meta é formar profissionais para o mercado, com cursos que garantam a rápida conquista de um emprego, uma solução eficiente é criar cursos em parcerias com empresas. Pinheiro explica que um caminho é a instituição ceder a infraestrutura e permitir que as empresas treinem os próprios alunos com instrutores ou consultores das áreas nas quais necessitam de profissionais. "É um programa ligado à faculdade para melhor formar o aluno. O treinamento é feito em cerca de seis meses e permite aos estudantes conseguir emprego já nos primeiros semestres do curso", diz Pinheiro.
Outra alternativa parecida é criar universidades corporativas. Segundo Rosa, as empresas não podem apenas ficar se lamentando pela falta de profissionais qualificados, precisam ter uma postura mais ativa. "Há casos fantásticos no Brasil em que a empresa vai até a universidade e trabalha em parceria para construir cursos sob medida para suas necessidades", diz Rosa. Segundo ele, esses cursos podem ser criados em todos os níveis, mas a grande necessidade está no superior.
Tão importante quanto estar atento a novas modalidades de cursos para sanar a falta de profissionais qualificados no mercado é pensar em outras formas, além da presencial, para oferecer esses cursos. A Educação a Distância (EAD) tem ganhado cada vez mais espaço e importância. Segundo uma pesquisa elaborada pelo Centro de Estudos sobre Tecnologias da Informação e da Comunicação (Cetic), órgão do Conselho Gestor da Internet no Brasil, quase 63 milhões de pessoas eram usuárias de internet no Brasil em 2009. Dessas, 11% haviam feito algum curso on-line nos três meses anteriores à pesquisa - quase sete milhões de pessoas. A pesquisa não especificava o nível dos cursos: se livre, profissionalizante, de graduação, especialização etc.
Do total de usuários, ainda de acordo com o estudo mencionado acima, 71% disseram usar a internet para treinamento e educação em geral e 16% para buscar informações sobre cursos técnicos a distância.
Para Formiga, a EAD já tem papel essencial na formação dos profissionais de que o país precisa. "A educação moderna dispensa horário, espaços e currículos rígidos. A celeridade dos tempos modernos exige que a escolaridade seja rápida, avançada e adaptada às necessidades locais e pessoais de tempo e espaço, por isso o sucesso tão grande da EAD", diz Formiga. Segundo o vice-presidente da Abed, é na educação corporativa que a EAD tem sido mais bem aproveitada e alcançado os melhores resultados e práticas de sucesso.
ALÉM DO BACHARELADO
Veja o que é necessário para que a instituição superior ofereça outros cursos
Livres | Não há restrições quanto ao tema ou à carga horária e podem ser oferecidos por qualquer instituição de ensino superior sem a necessidade de aprovação ou de fiscalização pelo Ministério da Educação. Não precisam ter qualquer relação com as áreas de conhecimento das graduações e pós-graduações oferecidas pela instituição de ensino. |
Extensão | Os cursos de extensão permitem à universidade socializar e democratizar os conhecimentos de suas diversas áreas. Geralmente com carga horária curta, envolvem professores e alunos da instituição, articulando o ensino e a pesquisa. Podem ser teóricos ou práticos, mas sempre associados ao ensino que mantém a graduação e a pós-graduação na instituição e têm o papel de dar assistência às necessidades econômicas e sociais da comunidade do entorno e de complementar os conhecimentos de seus próprios estudantes em determinadas áreas. Os cursos de extensão não precisam de autorização do MEC para funcionar. |
Técnico-profissionalizantes | Podem ser oferecidos por qualquer instituição de ensino, desde que ela obtenha autorização prévia da secretaria estadual de Educação. Como os cursos técnicos de nível médio privados são administrados pelos estados, cabe às secretarias estaduais de Educação a autorização, a regulamentação e o reconhecimento. |
Certificação | As certificações servem para assegurar que o aluno recebeu conhecimento e tem competência para atuar na área cursada. Não há restrição educacional para a matrícula no curso, ou seja, não se exige um nível de escolaridade mínimo. Podem ser cursos isolados ou como etapas dos cursos superiores de tecnologia (tecnólogos). Nesse caso, os alunos vão recebendo, ao longo do curso, certificações correspondentes às áreas em que já foram capacitados. |
Superiores de tecnologia | Os centros universitários e universidades têm autonomia para abrir os cursos e devem pedir reconhecimento até a primeira turma completar a metade do curso. As outras instituições devem pedir autorização para a abertura. |
ONDE ESTÁ O APAGÃO
Indústria, infraestrutura, energia, petróleo e gás | Estudo da Coordenação Geral de Imigração (GGI), do Ministério do Trabalho, mostra que falta mão de obra nessas áreas e revela que o Brasil concedeu 11.530 autorizações de trabalho a estrangeiros no primeiro trimestre deste ano, um volume recorde para o período. |
Construção civil e setor imobiliário | Devido à execução de muitas obras ao mesmo tempo, especialmente as relacionadas à Copa de 2014 e às Olimpíadas a serem realizadas no Rio de Janeiro em 2016, esses setores estão aquecidos e demandam mão de obra qualificada de todos os níveis. |
Informática | É um setor que constantemente demanda novos profissionais e quando surge uma linguagem nova é preciso qualificar muita gente para dar conta da demanda. |
Agrícola | Com o aumento da produção e das exportações faltam profissionais na área, principalmente no sul do país. Por conta disso, muitos engenheiros agrônomos foram convertidos em engenheiros aeronáuticos porque houve uma grande demanda da Embraer. |
Nenhum comentário:
Postar um comentário