Estão traçados abaixo os principais desafios e gargalos da administração pública.
Foram abordados os seguintes assuntos: segurança, contas públicas, educação, meio ambiente, saúde, política externa, carga tributária, liberdade de imprensa, internet e reforma política.
Confira o que o futuro governante do país terá de enfrentar.
Foram abordados os seguintes assuntos: segurança, contas públicas, educação, meio ambiente, saúde, política externa, carga tributária, liberdade de imprensa, internet e reforma política.
Confira o que o futuro governante do país terá de enfrentar.
CARGA TRIBUTÁRIA |
Consumidor sabe que paga imposto, mas não sabe quanto. A carga tributária penaliza a todos, sobretudo os mais pobres. Complexa, confusa, pesada, pouco transparente e injusta. Esta é a estrutura tributária brasileira.
Brasileiros de todas as classes sociais e regiões do país sabem que pagam impostos quando consomem. A conclusão está exposta no livro O Dedo na Ferida: Menos Imposto, Mais Consumo (Editora Record, 196 páginas), do cientista social e sócio-diretor do Instituto Análise, Carlos Alberto Almeida. Tal como em seu best-seller A Cabeça do Brasileiro, o autor expõe no livro as conclusões de pesquisa realizada em todo o país. A que deu origem a O Dedo na Ferida foi realizada no ano passado e revela que, apesar de a população estar ciente de que é tributada ao adquirir bens e serviços, a maioria desconhece a proporção dos impostos embutidos nos preços finais. Os que se arriscam a adivinhar, tendem a ser generosos com o governo e respondem que o volume de impostos é bem menor do que realmente é. Neste sentido, o livro se propõe a jogar luz sobre uma grave deficiência do complexo sistema tributário nacional: o fato de muitos impostos que pesam sobre a economia serem invisíveis ao contribuinte.
O expressivo desconhecimento da população sobre o quanto é tributada no consumo de bens de serviços – 47% da arrecadação provém daí – tem razão de ser. A estrutura tributária brasileira é tão embaralhada que é praticamente impossível saber com precisão quanto se paga de imposto em cada produto. A principal explicação é que, além dos chamados impostos indiretos (PIS, COFINS, IPI, ICMS etc.), que incidem sobre o consumo e cujo impacto no preço final é mais fácil de estimar, existem diversas outras taxas que se diluem nos custos das empresas e acabam sendo transferidas em maior ou menor grau ao consumidor. Está dada a receita para umas das maiores cargas tributárias do mundo, equivalente a 33% do PIB.
A consequência direta do desconhecimento por parte da população do quanto transfere de sua renda aos cofres do governo é a ignorância sobre o tamanho do estado. Para Enlinson Carvalho de Mattos, professor de Finanças Públicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV), um sistema tributário mais transparente possibilitaria ao contribuinte ser um fiscal da utilização dos recursos arrecadados via impostos. “Um sistema mais transparente geraria, portanto, mais cobrança dos governos pelo bom uso do dinheiro público. É como se a população passasse a exigir a contrapartida pelo dinheiro que entregou ao estado”, afirma.
Além de pouco transparente, a estrutura tributária do país pesa sobre o setor produtivo – e indiretamente sobre os consumidores – por sua complexidade. “As empresas brasileiras gastam uma fortuna só para cumprir obrigações acessórias. Isso acaba virando um ônus que é repassado ao consumidor”, explica o consultor tributário Clóvis Panzarini.
Distorção social – Complexa, confusa, pesada, pouco transparente. E também injusta. A estrutura tributária brasileira, por possuir grande quantidade de impostos que incidem sobre o consumo, tem a característica de ser “regressiva”. Em outras palavras, ela tributa igualmente os desiguais. O sistema acaba por penalizar os mais pobres, que têm de arcar, com uma renda menor, com a mesma quantidade de impostos embutidos nos preços dos produtos.
Um estudo da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) revela que uma família que ganha até dois salários mínimos tem 45,8% de sua renda corroída pelos impostos indiretos. Essa proporção diminui consideravelmente conforme a renda da família aumenta. “Os impostos sobre consumo e serviços não levam em conta a capacidade contributiva das pessoas”, explica Letícia do Amaral, advogada tributarista e vice-presidente do Instituto de Planejamento Tributário (IBPT).
Para calibrar o peso tributário conforme a capacidade contributiva, a solução seria migrar a incidência da carga tributária mais para a renda e menos para o consumo, sugere Maria Helena Zockun, economista e coordenadora de pesquisas da Fipe. A despeito de ser complicada politicamente, a professora defende a urgência de uma reforma. “É complicada porque é transparente. O contribuinte sabe quanto está pagando e o político não quer que ele saiba. Por isso não acontece nada”, lamenta.
A acadêmica argumenta que a regressividade da carga tributária e sua transparência são temas que só serão levados a sério em campanhas eleitorais quando as classes populares tomarem consciência de seu papel como contribuintes. “Enquanto o eleitor não souber, isso não pesa no voto. E enquanto não pesa no voto, não pesa na decisão política”, conclui.
Tamanho do estado - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem defendido publicamente a pesada carga tributária brasileira – de 33,58% do PIB, uma das mais altas do mundo. Sua justificativa é de que ela constitui condição fundamental para que o país possua um estado atuante. “Todos os países desenvolvidos, que têm sistema de bem-estar social, têm carga tributária bem mais elevada, em cerca de 50% do PIB”, comparou Lula, em julho.
Brasileiros de todas as classes sociais e regiões do país sabem que pagam impostos quando consomem. A conclusão está exposta no livro O Dedo na Ferida: Menos Imposto, Mais Consumo (Editora Record, 196 páginas), do cientista social e sócio-diretor do Instituto Análise, Carlos Alberto Almeida. Tal como em seu best-seller A Cabeça do Brasileiro, o autor expõe no livro as conclusões de pesquisa realizada em todo o país. A que deu origem a O Dedo na Ferida foi realizada no ano passado e revela que, apesar de a população estar ciente de que é tributada ao adquirir bens e serviços, a maioria desconhece a proporção dos impostos embutidos nos preços finais. Os que se arriscam a adivinhar, tendem a ser generosos com o governo e respondem que o volume de impostos é bem menor do que realmente é. Neste sentido, o livro se propõe a jogar luz sobre uma grave deficiência do complexo sistema tributário nacional: o fato de muitos impostos que pesam sobre a economia serem invisíveis ao contribuinte.
O expressivo desconhecimento da população sobre o quanto é tributada no consumo de bens de serviços – 47% da arrecadação provém daí – tem razão de ser. A estrutura tributária brasileira é tão embaralhada que é praticamente impossível saber com precisão quanto se paga de imposto em cada produto. A principal explicação é que, além dos chamados impostos indiretos (PIS, COFINS, IPI, ICMS etc.), que incidem sobre o consumo e cujo impacto no preço final é mais fácil de estimar, existem diversas outras taxas que se diluem nos custos das empresas e acabam sendo transferidas em maior ou menor grau ao consumidor. Está dada a receita para umas das maiores cargas tributárias do mundo, equivalente a 33% do PIB.
A consequência direta do desconhecimento por parte da população do quanto transfere de sua renda aos cofres do governo é a ignorância sobre o tamanho do estado. Para Enlinson Carvalho de Mattos, professor de Finanças Públicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV), um sistema tributário mais transparente possibilitaria ao contribuinte ser um fiscal da utilização dos recursos arrecadados via impostos. “Um sistema mais transparente geraria, portanto, mais cobrança dos governos pelo bom uso do dinheiro público. É como se a população passasse a exigir a contrapartida pelo dinheiro que entregou ao estado”, afirma.
Além de pouco transparente, a estrutura tributária do país pesa sobre o setor produtivo – e indiretamente sobre os consumidores – por sua complexidade. “As empresas brasileiras gastam uma fortuna só para cumprir obrigações acessórias. Isso acaba virando um ônus que é repassado ao consumidor”, explica o consultor tributário Clóvis Panzarini.
Distorção social – Complexa, confusa, pesada, pouco transparente. E também injusta. A estrutura tributária brasileira, por possuir grande quantidade de impostos que incidem sobre o consumo, tem a característica de ser “regressiva”. Em outras palavras, ela tributa igualmente os desiguais. O sistema acaba por penalizar os mais pobres, que têm de arcar, com uma renda menor, com a mesma quantidade de impostos embutidos nos preços dos produtos.
Um estudo da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) revela que uma família que ganha até dois salários mínimos tem 45,8% de sua renda corroída pelos impostos indiretos. Essa proporção diminui consideravelmente conforme a renda da família aumenta. “Os impostos sobre consumo e serviços não levam em conta a capacidade contributiva das pessoas”, explica Letícia do Amaral, advogada tributarista e vice-presidente do Instituto de Planejamento Tributário (IBPT).
Para calibrar o peso tributário conforme a capacidade contributiva, a solução seria migrar a incidência da carga tributária mais para a renda e menos para o consumo, sugere Maria Helena Zockun, economista e coordenadora de pesquisas da Fipe. A despeito de ser complicada politicamente, a professora defende a urgência de uma reforma. “É complicada porque é transparente. O contribuinte sabe quanto está pagando e o político não quer que ele saiba. Por isso não acontece nada”, lamenta.
A acadêmica argumenta que a regressividade da carga tributária e sua transparência são temas que só serão levados a sério em campanhas eleitorais quando as classes populares tomarem consciência de seu papel como contribuintes. “Enquanto o eleitor não souber, isso não pesa no voto. E enquanto não pesa no voto, não pesa na decisão política”, conclui.
Tamanho do estado - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem defendido publicamente a pesada carga tributária brasileira – de 33,58% do PIB, uma das mais altas do mundo. Sua justificativa é de que ela constitui condição fundamental para que o país possua um estado atuante. “Todos os países desenvolvidos, que têm sistema de bem-estar social, têm carga tributária bem mais elevada, em cerca de 50% do PIB”, comparou Lula, em julho.
POLÍTICA EXTERNA |
Nos últimos oito anos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva apertou a mão de pelo menos sete ditadores e chegou a defendê-los em algumas situações. Foi o caso do agora aposentado Fidel Castro, do venezuelano Hugo Chávez e do iraniano Mahmoud Ahmadinejad.
Na opinião de Rubens Barbosa, ex-embaixador brasileiro nos Estados Unidos, o Brasil deveria projetar no exterior os mesmos valores que preza internamente, como a democracia e os direitos humanos. "O Brasil pode fazer negócios com estes países, mas não pode silenciar e, em alguns casos, até apoiar, restrições à liberdade e aos direitos humanos, como foi feito em Cuba e na Venezuela, onde o Brasil tem posições favoráveis aos dois regimes", diz Barbosa.
Outra conduta adotada pelo Itamaraty nos anos Lula e que o diplomata censura é a tentativa de mediação de conflitos distantes. "Tanto na questão do Irã quando na questão de Israel, houve uma falha na avaliação do governo quanto à capacidade do Brasil influir. E isso, no caso do Irã, ainda criou um problema sério com os Estados Unidos", afirma, referindo-se à reação de Washington, que liderou posição contrária à do Brasil, impondo no Conselho de Segurança da ONU sanções ao Irã.
Na opinião de Rubens Barbosa, ex-embaixador brasileiro nos Estados Unidos, o Brasil deveria projetar no exterior os mesmos valores que preza internamente, como a democracia e os direitos humanos. "O Brasil pode fazer negócios com estes países, mas não pode silenciar e, em alguns casos, até apoiar, restrições à liberdade e aos direitos humanos, como foi feito em Cuba e na Venezuela, onde o Brasil tem posições favoráveis aos dois regimes", diz Barbosa.
Outra conduta adotada pelo Itamaraty nos anos Lula e que o diplomata censura é a tentativa de mediação de conflitos distantes. "Tanto na questão do Irã quando na questão de Israel, houve uma falha na avaliação do governo quanto à capacidade do Brasil influir. E isso, no caso do Irã, ainda criou um problema sério com os Estados Unidos", afirma, referindo-se à reação de Washington, que liderou posição contrária à do Brasil, impondo no Conselho de Segurança da ONU sanções ao Irã.
SAÚDE PÚBLICA |
Criado em 1988, o Sistema Único de Saúde, SUS, tinha um objetivo claro: universalizar o atendimento aos brasileiros, que, em troca, pagam altos impostos. Como é de conhecimento público, não foi isso o que aconteceu. Passados 22 anos, usuários enfrentam filas e esperam meses e até anos para conseguir realizar uma cirurgia eletiva - os procedimentos não emergenciais. Seria ainda pior se parte da população - 26,3% - não tivesse abandonado o SUS, pagando um valor extra por planos privados de saúde.
Especialistas são unânimes quanto ao remédio que poderia curar o SUS: mais dinheiro. Nas contas de Ligia Giovanella, pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, ligada à Fundação Oswaldo Cruz,o Brasil precisaria ao menos dobrar os recursos destinados ao setor. Mas não é fácil, uma vez que boa parte do Orçamento federal é comprometida com outras despesas. E não é tudo. Além de mais dinheiro, o SUS precisa de mais gestão. "É necessário um reordenamento do destino dos atuais gastos, priorizando o investimento em setores que dinamizem o setor", diz Lígia Bahia, professora de Saúde Pública da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
O desejado choque de gestão deveria começar pela própria administração do sistema, defendem especialistas. "Os gestores do SUS são, em sua maioria, indicados por motivos políticos, mas a saúde é uma área que requer conhecimento técnico amplo em todas as etapas: planejamento, execução e avaliação dos resultados", diz Newton Lemos, consultor em Serviços de Saúde da Organização Mundial da Saúde. "Não é uma coisa que qualquer profissional – que não de carreira – pode fazer".
Outro alvo de mudanças seria o programa Saúde da Família, que fornece atendimento básico à população previamente inscrita. Atualmente, apenas 50% das famílias brasileiras fazem parte do programa - o ideal seriam 80%. Atender mais gente demandaria mais médicos, estrutura e, portanto, recursos? Óbvio. Contudo, nas contas dos especialistas, o investimento seria compensado pela economia advinda dos frutos do atendimento preventivo. Por exemplo: ao invés de um cidadão procurar um hospital quando já se encontra doente, o que demanda um tratamento caro, ele receberia cuidados permanentes e prévios.
"Estender o acesso ao médico da família é uma estratégia importante", afirma Gastão Wagner de Souza, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e ex-secretário executivo do Ministério da Saúde. "Cidadãos inscritos nesse programa recebem atendimento clínico, o que diminui a busca desnecessária por especialistas e a realização de exames. Você gasta menos, com resultados melhores".
Por fim, nunca é demais lembrar: em matéria de dinheiro público, é preciso endurecer a fiscalização dos gastos. "Precisamos fortalecer os conselhos de saúde, que exercem tal controle", completa Maria Fátima de Souza, coordenadora do Núcleo de Estudos em Saúde Pública da Universidade de Brasília (UnB).
Curar o SUS deverá ser uma tarefa cada vez mais importante nos próximos anos. Isso porque é provável que parte da classe média, que atualmente, conta com planos privados, migre para o sistema público. Segundo projeção realizada pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e pelo Procon, se mantidos os atuais níveis de reajustes de mensalidades nos próximos 30 anos, as tarifas deverão subir mais de 120% acima da inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). É verdade que a maior parte dos planos são custeados parcialmente pelas empresas. Contudo, é provável que aumentos como os estimados pelo Idec/Procon não sejam assimiláveis nem mesmo pelas companhias.
Há algumas altenativas ao sistema, menos uma: a criação de mais impostos para alimentar a saúde - a exemplo do que ocorreu no passado com a CPMF. "No curto prazo, os políticos que só pensam em seu mandato encontram resultados com a medida. Mas, no médio e longo prazos, é preciso lembrar que novos tributos diminuem o crescimento econômico", explica Marcos Bosi Ferraz, diretor do Centro Paulista de Economia da Saúde, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Especialistas são unânimes quanto ao remédio que poderia curar o SUS: mais dinheiro. Nas contas de Ligia Giovanella, pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, ligada à Fundação Oswaldo Cruz,o Brasil precisaria ao menos dobrar os recursos destinados ao setor. Mas não é fácil, uma vez que boa parte do Orçamento federal é comprometida com outras despesas. E não é tudo. Além de mais dinheiro, o SUS precisa de mais gestão. "É necessário um reordenamento do destino dos atuais gastos, priorizando o investimento em setores que dinamizem o setor", diz Lígia Bahia, professora de Saúde Pública da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
O desejado choque de gestão deveria começar pela própria administração do sistema, defendem especialistas. "Os gestores do SUS são, em sua maioria, indicados por motivos políticos, mas a saúde é uma área que requer conhecimento técnico amplo em todas as etapas: planejamento, execução e avaliação dos resultados", diz Newton Lemos, consultor em Serviços de Saúde da Organização Mundial da Saúde. "Não é uma coisa que qualquer profissional – que não de carreira – pode fazer".
Outro alvo de mudanças seria o programa Saúde da Família, que fornece atendimento básico à população previamente inscrita. Atualmente, apenas 50% das famílias brasileiras fazem parte do programa - o ideal seriam 80%. Atender mais gente demandaria mais médicos, estrutura e, portanto, recursos? Óbvio. Contudo, nas contas dos especialistas, o investimento seria compensado pela economia advinda dos frutos do atendimento preventivo. Por exemplo: ao invés de um cidadão procurar um hospital quando já se encontra doente, o que demanda um tratamento caro, ele receberia cuidados permanentes e prévios.
"Estender o acesso ao médico da família é uma estratégia importante", afirma Gastão Wagner de Souza, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e ex-secretário executivo do Ministério da Saúde. "Cidadãos inscritos nesse programa recebem atendimento clínico, o que diminui a busca desnecessária por especialistas e a realização de exames. Você gasta menos, com resultados melhores".
Por fim, nunca é demais lembrar: em matéria de dinheiro público, é preciso endurecer a fiscalização dos gastos. "Precisamos fortalecer os conselhos de saúde, que exercem tal controle", completa Maria Fátima de Souza, coordenadora do Núcleo de Estudos em Saúde Pública da Universidade de Brasília (UnB).
Curar o SUS deverá ser uma tarefa cada vez mais importante nos próximos anos. Isso porque é provável que parte da classe média, que atualmente, conta com planos privados, migre para o sistema público. Segundo projeção realizada pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e pelo Procon, se mantidos os atuais níveis de reajustes de mensalidades nos próximos 30 anos, as tarifas deverão subir mais de 120% acima da inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). É verdade que a maior parte dos planos são custeados parcialmente pelas empresas. Contudo, é provável que aumentos como os estimados pelo Idec/Procon não sejam assimiláveis nem mesmo pelas companhias.
Há algumas altenativas ao sistema, menos uma: a criação de mais impostos para alimentar a saúde - a exemplo do que ocorreu no passado com a CPMF. "No curto prazo, os políticos que só pensam em seu mandato encontram resultados com a medida. Mas, no médio e longo prazos, é preciso lembrar que novos tributos diminuem o crescimento econômico", explica Marcos Bosi Ferraz, diretor do Centro Paulista de Economia da Saúde, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
ENSINO PUBLICO |
O brasileiro desconfia da educação pública - e com razão. As avaliações mostram que os estudantes não aprendem o que deveriam e que as escolas ficam aquém das equivalentes privadas.
Educação: como avançar mais - e mais rapidamente?
Criado pelo governo federal para funcionar como um termômetro do ensino público do país, o Índice de Desenvolvimento da Educação (Ideb) divulgou no mês passado os resultados de sua edição 2009, revelando um retrato preocupante do setor. Numa escala de 0 a 10, apenas 5,7% das escolas conseguiram alcançar a nota 6. Nas séries iniciais do ensino fundamental (do primeiro ao quinto ano), a média ficou em 4,6 pontos, enquanto nas séries finais (do sexto ao nono), caiu para 4 pontos. No ensino médio, o cenário mais alarmante: 3,6 pontos.
Os resultados do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2009 endossam o quadro. Entre as mil melhores escolas do país, 91% são particulares. Entre as dez primeiras, apenas uma instituição pública. O dado espanta ainda mais quando se constata que o ensino público no Brasil abarca 86% dos estudantes.
Outro desafio da educação no Brasil é o alto índice de analfabetismo, que ainda figura entre os mais elevados do mundo: 11% da população acima de 15 anos não sabe ler e escrever adequadamente. O índice coloca o país em 9º lugar no ranking de analfabetismo da América Latina, atrás, entre outros, de Suriname (10,4%), Colômbia (7,2%), Chile (4,3%) e Argentina (2,8%). Não bastasse isso, cerca de 15% da população com idade entre 15 e 24 anos é considerada analfabeta funcional - ou seja, são pessoas que frequentaram a escola, mas conseguem apenas ler apenas textos curtos, como cartas, e lidar com números em operações simples, como o manuseio de dinheiro.
Avanços na educação são medidos por vários métodos, incluindo o Ideb e o Enem. Contudo, eles são pequenos e lentos. Por isso, segundo especialistas, a ser mantido o atual ritmo, o Brasil deverá atingir um nível educacional satisfatório em cinquenta anos. Os mais otimistas, falam em duas décadas. Para erradicar o analfabetismo, de acordo com estimativa do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), a previsão também é de vinte anos. Todos os especialistas são unânimes: se quisermos caminhar em direção a uma educação pública de qualidade, não poderemos seguir no ritmo atual. É preciso caminhar mais rápido.
Os benefícios para o país - e seus cidadãos - de um ensino de mais qualidade são evidentes. Mais conhecimento em circulação, profissionais mais capazes, mais dinamismo intelectual e econômico. Prosperidade, enfim. E isso se reverte em melhores salários. Dados da Tendência Consultoria apontam que pessoas que completam o ensino fundamental recebem salários cerca de 13% superiores aos pagos a quem não chega ao fim desse ciclo. Para quem vai mais adiante, a notícia é ainda melhor: quem se forma no ensino médio ganha, em média, 43% a mais do que quem termina apenas o fundamental. Se concluir a faculdade, o acréscimo sobre os vencimentos de quem chegou ao nível médio chega a 100%.
Descrentes do governo, brasileiros desvalorizam até universidade pública ante privada - Escola boa é escola paga. Esta crença, segundo especialistas ouvidos por VEJA.com, alimenta a percepção dos brasileiros de que o ensino privado no Brasil é melhor do que o público. O dado consta de pesquisa Ibope/CNI.
Por trás da convicção dos entrevistados está a descrença na capacidade de o estado brasileiro suprir as necessidades nacionais. Na visão de Remi Castioni, professor da Universidade de Brasília (UnB), o raciocínio do cidadão é, em linhas gerais, o seguinte: "Se saúde, política e transporte são ruins, então a educação pública também é, necessariamente, ruim”.
A impressão dos brasileiros combina apenas em parte com as informações oriundas de avaliações dos sistemas de educação. De acordo com dados do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2009, das mil melhores escolas brasileiras, apenas 9% pertencem à rede pública; entre as dez primeiras, apenas uma é mantida por um governo.
Contudo, quando se avaliam as universidades, o quadro se inverte. Dados do Exame Nacional de Desempenho de Estudante (Enade) demonstram que apenas 25% das 293 universidades que obtiveram nota máxima (5) na prova são privadas. Ou seja, as públicas dominam nesse campo.
Para Castioni, a descrença da população nos serviços oferecidos pelo governo levam a tal distorção. "Há escolas privadas que são péssimas. E há públicas com professores qualificados e ensino de qualidade", diz. "Não dá para generalizar".
Os dados da pesquisa suscitam ainda outra questão: se a educação superior privada é mais bem avaliada, por que famílias investem tanto na preparação de seus filhos para o ingresso nas universidades públicas? "A busca não é por uma instituição pública ou privada, mas pela mais prestigiada", diz Arthur Fonseca Filho, membro do Conselho Estadual de Educação do Estado de São Paulo.
Currículo - A nova pilha de livros dos alunos do ensino médio brasileiro não para de crescer. Entre as últimas aquisições, estão obras sobre cultura indígena, filosofia, direitos das crianças e dos idosos e até mesmo regras de trânsito. Mas esse amontoado de conhecimento está jogando para escanteio o mais importante: as disciplinas de base, como português e matemática. E o desprestígio dessas matérias foi apontado por 68% dos brasileiros, como mostra a pesquisa Ibope/CNI Retratos da Sociedade Brasileira, divulgada nesta sexta-feira.
Os estudiosos que defendem a adoção das novas disciplinas nos currículos escolares argumentam que a prática dá aos estudantes mais condições de integrar mais áreas do saber para a compreensão do mundo que os cerca. Mas a superlotação de disciplinas na grade curricular pode, sim, prejudicar a qualidade do ensino, de acordo com Cláudio de Moura Castro, especialista em educação e colunista da revista VEJA. “A regra básica da educação é ensinar menos para o aluno aprender mais”, afirma Castro.
Para garantir lugar às novas matérias, por exemplo, é preciso suprimir o tempo destinado ao português e à matemática. “O currículo já é duas vezes maior do que deveria ser. Ninguém consegue aprender tudo o que é ensinado hoje em sala de aula”, diz o especialista.
Para Castro, só há um caminho para a qualificação plena do ensino nacional. “O excesso do conteúdo tem de ser retirado das apostilas e o número de disciplinas lecionadas tem de diminuir”, afirma. A regra, então, é simples e uma só: para cada disciplina que entra, uma sai. Não entram na lista de trocas, no entanto, português, matemática e ciências - consideradas essenciais. “É o conteúdo que o jovem vai usar de fato quando sair do colégio”.
Aprendizado - Dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) indicam que 70% dos alunos das séries avaliadas (quinto e nono anos do ensino fundamental e terceiro do ensino médio) não atingiram níveis de aprendizado considerados adequados em língua portuguesa e matemática. O número mais alarmante está no terceiro ano do ensino médio: apenas 9,8% dos alunos dominam conhecimentos que deveriam saber em matemática.
"Esses dados nos fazem concluir que o grande problema da educação brasileira está no aprendizado. O aluno está na escola, mas não aprende", diz Priscila Cruz, diretora executiva do Movimento Todos Pela Educação. "Nos Estados Unidos, 88% dos alunos possuem um aprendizado adequado. Ou seja, ainda temos um déficit educacional muito grande".
Se a questão central da educação é a aprendizagem, é inevitável perguntar: por que o aluno brasileiro aprende tão pouco? A resposta constitui um mosaico cheio de processos que precisam estar encaixados de maneira eficiente. A peça central, porém, está no docente: um professor qualificado gera qualidade de aprendizagem, que por sua vez gera qualidade na educação. "O professor é o grande ator de uma política educacional de sucesso e o avanço dos índices depende em grande parte do investimento na carreira docente", afirma Célio da Cunha, professor da Universidade de Brasília (UnB) e consultor da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
Arthur Fonseca Filho, ex-presidente do Conselho Estadual de Educação de São Paulo, concorda: "As pessoas mais bem preparadas hoje não procuram a carreira do magistério. Precisamos valorizar a função docente para inverter essa lógica e melhorar a educação". Além de atrair os melhores, é preciso oferecer formação inicial e continuada de qualidade que prepare o mestre para a realidade escolar. "A formação do professor é uma questão estruturante. Sem ela, nenhuma melhora é possível", sentencia Guiomar Namo de Mello, especialista em educação (leia a entrevista completa)
Selecionar os melhores profissionais e investir na formação deles provou-se ser uma prática tão eficaz que está no topo das principais lições a serem aprendidas a partir de exemplos bem-sucedidos de modelos educacionais do mundo. O relatório Como os Sistemas de Escolas de Melhor Desempenho do Mundo Chegaram ao Topo, elaborado em 2008 pela consultoria americana McKinsey, mostra que na Coreia do Sul os futuros professores do ensino fundamental são recrutados entre a elite dos alunos do ensino médio. Por aqui, boa parte do professorado vem dos piores alunos. A maioria encontra ainda no ensino superior um formação deficitária.
Investimento – Outro foco de discussão no processo de melhoria do ensino são os investimentos. Segundo dados oficiais, o governo federal investiu 4% do Produto Interno Bruto (PIB) do país em educação básica em 2008. O número é digno de comemoração, se considerarmos que, em 2003, a cifra era de 3,2%. Apesar do crescimento, o número ainda está distante dos 5% considerados suficientes para sustentar um avanço significativo na educação para os próximos anos.
O gargalo pode estar não apenas no montante destinado ao setor, mas também na administração desses recursos pelos gestores das redes. É papel deles converter a verba em um ambiente propício para a aprendizagem. "Seria uma inconsequência aumentar os recursos sem ampliar nossa capacidade de gestão", diz Priscila Cruz. Mais uma vez, os exemplos internacionais ajudam a mostrar o potencial de investir em uma boa gestão dos recursos. Em Cingapura, onde o índice de analfabetismo atinge 3,7% da população, a seleção de bons gestores passa por uma triagem rigorosa. O selecionados passam por uma formação de seis meses, com direito até a estágio no exterior.
Para auxiliar na tarefa de conscientizar os gestores de sua importância, o Movimento Todos Pela Educação propõe uma lei de responsabilidade educacional. “Não adianta o gestor gastar licitamente o dinheiro destinado à educação sem ofertar um ensino de qualidade para os alunos de sua rede. Mesmo que ele não esteja roubando dinheiro, ele está roubando vidas”, afirma Priscila. "Ele precisa se responsabilizar, e ser punido se necessário, caso os resultados não estejam de acordo com o esperado”.
Professores, gestores, investimento. Essas são apenas algumas das peças que devem construir o grande mosaico da educação no Brasil. Em janeiro, a tarefa de acelerar o ritmo em direção a uma educação básica de qualidade será a assumida por um novo governo. A ele, os especialistas pedem clareza nas metas a serem atingidas e foco para alcançá-las. Para isso, o trabalho coordenado com estados municípios é fundamental, já que a responsabilidade pela administração direta da rede pública de ensino atualmente não cabe ao governo federal. Arthur Fonseca Filho sintetiza: “É preciso que cada instância – federal, estadual e municipal – assuma seu papel no regime de colaboração por uma educação de melhor qualidade”.
E os professores? - Diretora da Escola Brasileira de Professores, que se dedica à educação inicial e continuada de docentes do ensino básico, Guiomar Namo de Mello está, é claro, preocupada com a formação dos mestres no Brasil. Contudo, ela não engrossa o coro daqueles que acreditam que a saída para o problema está em oferecer melhores salários. “Se você me perguntasse se o professor ganha mal, eu diria que sim. Mas para o que alguns fazem, é muito”, diz. Para a especialista, mais do que maiores vencimentos, os docentes precisam de melhor formação: saídos de escolas públicas ruins, apenas espalham seu desconhecimento aos alunos. “A formação do professor é uma questão estruturante. Sem ela, nenhuma melhora é possível”, sentencia Guiomar. Aperfeiçoar a formação dos docentes e coordenar as ações de estados e municípios que quiserem promover reformas na área - ambas tarefas do governo federal - serão desafios do presidente que o país elegerá neste ano. Confirma a seguir os principais trechos da entrevista que a educadora concedeu à revista VEJA.
A senhora costuma afirmar que, até o início dos anos 90, a educação não fazia parte da agenda estratégia dos governos. Hoje, ela já está entre as prioridades?
Os setores mais bem informados da sociedade se deram conta de que a educação é urgente em termos de desenvolvimento sustentável. Por isso, acredito que haja uma pressão maior por parte da população. No entanto, a educação vem sempre carregada de visões imediatistas e às vezes extremamente pessoais dos governantes. Na política, a educação está facilmente sujeita a uma certa pirotecnia, ou seja, os governos e os políticos em geral querem sempre faturar mais com o menor custo possível. E, assim, faltam foco e prioridade. Faltam medidas que se dirijam a questões estruturantes da educação.
Quais são essas questões?
A qualidade da formação do professor, por exemplo, é uma questão estruturante. Sem ela, nenhuma melhoria é possível. E há pouca disponibilidade para atacar esse problema. É preciso mudar completamente os sistema de formação de professores, que ficou refém de um ensino superior. Mas não há disposição de se investir política e financeiramente para atrair os melhores para a carreira de professor.
O que fazer para formar um bom professor?
É preciso enfrentar os cursos de pedagogia, mas não vejo nenhum político se referindo a isso. Também temos que formar o professor em tempo integral, porque eles estão saindo do ensino médio analfabetos e chegam ao ensino superior para reproduzir a sua ignorância. Depois, vão para a escola pública e repetem o círculo vicioso da ignorância. Então, quem precisa de escola em tempo integral no Brasil é professor, não aluno. Nosso professor sai da escola pública: depois de uma formação deficitária no ensino superior particular, onde ele pode dar aula? No ensino público, de onde saiu. E ainda tem quem diga que é ele o culpado pela má qualidade do ensino. Ele não é culpado, mas apenas uma peça dessa engrenagem. Para enfrentar esse problema é preciso vontade política e recursos financeiros para investir na formação do professor. Se estivéssemos dispostos a fazer isso, poderíamos ter um ensino de qualidade.
No Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) de 2008, apenas 2,7% dos cursos de pedagogia alcançaram a nota máxima, igual a 5. O que precisa mudar no currículo dessas instituições?
Precisamos de um currículo onde o futuro professor não estude só a teoria. Ele precisa conhecer a prática desde o primeiro dia, como os médicos. O modelo de formação clínica é o melhor modelo para o professor. Ele não precisa estudar os recônditos da pedagogia. Ele precisa aprender como se ensina e como o aluno aprende. O professor é um artesão, ele não é um grande criador. Da mesma forma que o médico não é um criador. Ele tem que ser um excelente aplicador de conhecimento. A sala de aula é o foco e a referência do trabalho dele.
O currículo escolar praticado hoje é outra questão estruturante?
Sim. Hoje temos um ensino enciclopédico e precisamos acabar com essa crença. Precisamos saber para que finalidade queremos educar os jovens. Temos que educá-los para sobreviver em um mundo cada vez mais complicado, em que a informação está disponível para todos. Para isso, você precisa desenvolver competências que são básicas: saber falar, pensar, usar a linguagem, aplicar o conhecimento adquirido para entender o mundo ao seu redor. É preciso um ensino mais relevante. Ou a gente atende a esses desafios ou não melhoramos o ensino.
Muitos especialistas apontam que o salário do professor é um empecilho para o avanço da educação no Brasil. Como a senhora enxerga essa questão?
A remuneração é um fator a ser revisto. O salário precisa melhorar, mas só isso não resolve o problema. O aumento do salário tem que ser uma decorrência do aumento da responsabilidade do professor e do mérito. Se você me perguntasse se o professor ganha mal, eu diria que sim. Mas para o que alguns professores fazem, é muito. E para o que outros fazem, é pouquíssimo. Para corrigir isso, precisamos de mecanismos para diferenciar um do outro. O que não pode é aumentar o salário de todos.
A meritocracia é uma saída para isso?
A ainda que seja uma única medida, ela é interessante e pode fazer a diferença em São Paulo, onde foi aplicada. Porque se o professor quiser progredir só pelo tempo de trabalho - como normalmente ocorre - o salário dele aumenta em um determinado ritmo. Mas se ele quiser fazer um concurso sobre o conteúdo que ele ensina, ele pode ter um aumento substancial e buscar um atalho na carreira. Ele começa a ganhar mais antes do tempo previsto. Acredito que são esses os mecanismos que atraem os profissionais. Porém, é preciso lembrar que na educação não existe uma única saída. A solução tem que mexer em diferentes fatores. Sozinha a meritocracia não resolve muito. Por mais que incentive o professor, se ele não sabe como ensinar, ele precisa aprender.
Qual o maior desafio na área da educação que o próximo presidente, a ser eleito neste ano, deverá enfrentar?
A questão do professor talvez seja o abacaxi mais complicado para descascar, em todos esses aspectos. O presidente da República manda no ensino superior. E é no ensino superior que está o problema do professor. Não adianta desconversar. A questão da formação do professor é responsabilidade do Ministério da Educação – seja no ensino superior público federal ou nas faculdade e universidades particulares, que são autorizadas e supervisionadas pelo governo. Portanto não dá para se esquivar. Também precisamos lembrar que o governo federal não é o gestor do ensino básico no Brasil. Gestores são estados e municípios. Cabe ao governo federal liderar e coordenar políticas para estados e municípios que queiram promover reformas. E para isso é preciso haver um grande pacto federativo da educação. O presidente eleito precisa usar o respaldo que ganhará nas urnas para chamar estados e municípios e equacionar os problemas mais estruturantes da educação. É importante estabelecer um pacto federativo.
Educação: como avançar mais - e mais rapidamente?
Criado pelo governo federal para funcionar como um termômetro do ensino público do país, o Índice de Desenvolvimento da Educação (Ideb) divulgou no mês passado os resultados de sua edição 2009, revelando um retrato preocupante do setor. Numa escala de 0 a 10, apenas 5,7% das escolas conseguiram alcançar a nota 6. Nas séries iniciais do ensino fundamental (do primeiro ao quinto ano), a média ficou em 4,6 pontos, enquanto nas séries finais (do sexto ao nono), caiu para 4 pontos. No ensino médio, o cenário mais alarmante: 3,6 pontos.
Os resultados do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2009 endossam o quadro. Entre as mil melhores escolas do país, 91% são particulares. Entre as dez primeiras, apenas uma instituição pública. O dado espanta ainda mais quando se constata que o ensino público no Brasil abarca 86% dos estudantes.
Outro desafio da educação no Brasil é o alto índice de analfabetismo, que ainda figura entre os mais elevados do mundo: 11% da população acima de 15 anos não sabe ler e escrever adequadamente. O índice coloca o país em 9º lugar no ranking de analfabetismo da América Latina, atrás, entre outros, de Suriname (10,4%), Colômbia (7,2%), Chile (4,3%) e Argentina (2,8%). Não bastasse isso, cerca de 15% da população com idade entre 15 e 24 anos é considerada analfabeta funcional - ou seja, são pessoas que frequentaram a escola, mas conseguem apenas ler apenas textos curtos, como cartas, e lidar com números em operações simples, como o manuseio de dinheiro.
Avanços na educação são medidos por vários métodos, incluindo o Ideb e o Enem. Contudo, eles são pequenos e lentos. Por isso, segundo especialistas, a ser mantido o atual ritmo, o Brasil deverá atingir um nível educacional satisfatório em cinquenta anos. Os mais otimistas, falam em duas décadas. Para erradicar o analfabetismo, de acordo com estimativa do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), a previsão também é de vinte anos. Todos os especialistas são unânimes: se quisermos caminhar em direção a uma educação pública de qualidade, não poderemos seguir no ritmo atual. É preciso caminhar mais rápido.
Os benefícios para o país - e seus cidadãos - de um ensino de mais qualidade são evidentes. Mais conhecimento em circulação, profissionais mais capazes, mais dinamismo intelectual e econômico. Prosperidade, enfim. E isso se reverte em melhores salários. Dados da Tendência Consultoria apontam que pessoas que completam o ensino fundamental recebem salários cerca de 13% superiores aos pagos a quem não chega ao fim desse ciclo. Para quem vai mais adiante, a notícia é ainda melhor: quem se forma no ensino médio ganha, em média, 43% a mais do que quem termina apenas o fundamental. Se concluir a faculdade, o acréscimo sobre os vencimentos de quem chegou ao nível médio chega a 100%.
Descrentes do governo, brasileiros desvalorizam até universidade pública ante privada - Escola boa é escola paga. Esta crença, segundo especialistas ouvidos por VEJA.com, alimenta a percepção dos brasileiros de que o ensino privado no Brasil é melhor do que o público. O dado consta de pesquisa Ibope/CNI.
Por trás da convicção dos entrevistados está a descrença na capacidade de o estado brasileiro suprir as necessidades nacionais. Na visão de Remi Castioni, professor da Universidade de Brasília (UnB), o raciocínio do cidadão é, em linhas gerais, o seguinte: "Se saúde, política e transporte são ruins, então a educação pública também é, necessariamente, ruim”.
A impressão dos brasileiros combina apenas em parte com as informações oriundas de avaliações dos sistemas de educação. De acordo com dados do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2009, das mil melhores escolas brasileiras, apenas 9% pertencem à rede pública; entre as dez primeiras, apenas uma é mantida por um governo.
Contudo, quando se avaliam as universidades, o quadro se inverte. Dados do Exame Nacional de Desempenho de Estudante (Enade) demonstram que apenas 25% das 293 universidades que obtiveram nota máxima (5) na prova são privadas. Ou seja, as públicas dominam nesse campo.
Para Castioni, a descrença da população nos serviços oferecidos pelo governo levam a tal distorção. "Há escolas privadas que são péssimas. E há públicas com professores qualificados e ensino de qualidade", diz. "Não dá para generalizar".
Os dados da pesquisa suscitam ainda outra questão: se a educação superior privada é mais bem avaliada, por que famílias investem tanto na preparação de seus filhos para o ingresso nas universidades públicas? "A busca não é por uma instituição pública ou privada, mas pela mais prestigiada", diz Arthur Fonseca Filho, membro do Conselho Estadual de Educação do Estado de São Paulo.
Currículo - A nova pilha de livros dos alunos do ensino médio brasileiro não para de crescer. Entre as últimas aquisições, estão obras sobre cultura indígena, filosofia, direitos das crianças e dos idosos e até mesmo regras de trânsito. Mas esse amontoado de conhecimento está jogando para escanteio o mais importante: as disciplinas de base, como português e matemática. E o desprestígio dessas matérias foi apontado por 68% dos brasileiros, como mostra a pesquisa Ibope/CNI Retratos da Sociedade Brasileira, divulgada nesta sexta-feira.
Os estudiosos que defendem a adoção das novas disciplinas nos currículos escolares argumentam que a prática dá aos estudantes mais condições de integrar mais áreas do saber para a compreensão do mundo que os cerca. Mas a superlotação de disciplinas na grade curricular pode, sim, prejudicar a qualidade do ensino, de acordo com Cláudio de Moura Castro, especialista em educação e colunista da revista VEJA. “A regra básica da educação é ensinar menos para o aluno aprender mais”, afirma Castro.
Para garantir lugar às novas matérias, por exemplo, é preciso suprimir o tempo destinado ao português e à matemática. “O currículo já é duas vezes maior do que deveria ser. Ninguém consegue aprender tudo o que é ensinado hoje em sala de aula”, diz o especialista.
Para Castro, só há um caminho para a qualificação plena do ensino nacional. “O excesso do conteúdo tem de ser retirado das apostilas e o número de disciplinas lecionadas tem de diminuir”, afirma. A regra, então, é simples e uma só: para cada disciplina que entra, uma sai. Não entram na lista de trocas, no entanto, português, matemática e ciências - consideradas essenciais. “É o conteúdo que o jovem vai usar de fato quando sair do colégio”.
Aprendizado - Dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) indicam que 70% dos alunos das séries avaliadas (quinto e nono anos do ensino fundamental e terceiro do ensino médio) não atingiram níveis de aprendizado considerados adequados em língua portuguesa e matemática. O número mais alarmante está no terceiro ano do ensino médio: apenas 9,8% dos alunos dominam conhecimentos que deveriam saber em matemática.
"Esses dados nos fazem concluir que o grande problema da educação brasileira está no aprendizado. O aluno está na escola, mas não aprende", diz Priscila Cruz, diretora executiva do Movimento Todos Pela Educação. "Nos Estados Unidos, 88% dos alunos possuem um aprendizado adequado. Ou seja, ainda temos um déficit educacional muito grande".
Se a questão central da educação é a aprendizagem, é inevitável perguntar: por que o aluno brasileiro aprende tão pouco? A resposta constitui um mosaico cheio de processos que precisam estar encaixados de maneira eficiente. A peça central, porém, está no docente: um professor qualificado gera qualidade de aprendizagem, que por sua vez gera qualidade na educação. "O professor é o grande ator de uma política educacional de sucesso e o avanço dos índices depende em grande parte do investimento na carreira docente", afirma Célio da Cunha, professor da Universidade de Brasília (UnB) e consultor da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
Arthur Fonseca Filho, ex-presidente do Conselho Estadual de Educação de São Paulo, concorda: "As pessoas mais bem preparadas hoje não procuram a carreira do magistério. Precisamos valorizar a função docente para inverter essa lógica e melhorar a educação". Além de atrair os melhores, é preciso oferecer formação inicial e continuada de qualidade que prepare o mestre para a realidade escolar. "A formação do professor é uma questão estruturante. Sem ela, nenhuma melhora é possível", sentencia Guiomar Namo de Mello, especialista em educação (leia a entrevista completa)
Selecionar os melhores profissionais e investir na formação deles provou-se ser uma prática tão eficaz que está no topo das principais lições a serem aprendidas a partir de exemplos bem-sucedidos de modelos educacionais do mundo. O relatório Como os Sistemas de Escolas de Melhor Desempenho do Mundo Chegaram ao Topo, elaborado em 2008 pela consultoria americana McKinsey, mostra que na Coreia do Sul os futuros professores do ensino fundamental são recrutados entre a elite dos alunos do ensino médio. Por aqui, boa parte do professorado vem dos piores alunos. A maioria encontra ainda no ensino superior um formação deficitária.
Investimento – Outro foco de discussão no processo de melhoria do ensino são os investimentos. Segundo dados oficiais, o governo federal investiu 4% do Produto Interno Bruto (PIB) do país em educação básica em 2008. O número é digno de comemoração, se considerarmos que, em 2003, a cifra era de 3,2%. Apesar do crescimento, o número ainda está distante dos 5% considerados suficientes para sustentar um avanço significativo na educação para os próximos anos.
O gargalo pode estar não apenas no montante destinado ao setor, mas também na administração desses recursos pelos gestores das redes. É papel deles converter a verba em um ambiente propício para a aprendizagem. "Seria uma inconsequência aumentar os recursos sem ampliar nossa capacidade de gestão", diz Priscila Cruz. Mais uma vez, os exemplos internacionais ajudam a mostrar o potencial de investir em uma boa gestão dos recursos. Em Cingapura, onde o índice de analfabetismo atinge 3,7% da população, a seleção de bons gestores passa por uma triagem rigorosa. O selecionados passam por uma formação de seis meses, com direito até a estágio no exterior.
Para auxiliar na tarefa de conscientizar os gestores de sua importância, o Movimento Todos Pela Educação propõe uma lei de responsabilidade educacional. “Não adianta o gestor gastar licitamente o dinheiro destinado à educação sem ofertar um ensino de qualidade para os alunos de sua rede. Mesmo que ele não esteja roubando dinheiro, ele está roubando vidas”, afirma Priscila. "Ele precisa se responsabilizar, e ser punido se necessário, caso os resultados não estejam de acordo com o esperado”.
Professores, gestores, investimento. Essas são apenas algumas das peças que devem construir o grande mosaico da educação no Brasil. Em janeiro, a tarefa de acelerar o ritmo em direção a uma educação básica de qualidade será a assumida por um novo governo. A ele, os especialistas pedem clareza nas metas a serem atingidas e foco para alcançá-las. Para isso, o trabalho coordenado com estados municípios é fundamental, já que a responsabilidade pela administração direta da rede pública de ensino atualmente não cabe ao governo federal. Arthur Fonseca Filho sintetiza: “É preciso que cada instância – federal, estadual e municipal – assuma seu papel no regime de colaboração por uma educação de melhor qualidade”.
E os professores? - Diretora da Escola Brasileira de Professores, que se dedica à educação inicial e continuada de docentes do ensino básico, Guiomar Namo de Mello está, é claro, preocupada com a formação dos mestres no Brasil. Contudo, ela não engrossa o coro daqueles que acreditam que a saída para o problema está em oferecer melhores salários. “Se você me perguntasse se o professor ganha mal, eu diria que sim. Mas para o que alguns fazem, é muito”, diz. Para a especialista, mais do que maiores vencimentos, os docentes precisam de melhor formação: saídos de escolas públicas ruins, apenas espalham seu desconhecimento aos alunos. “A formação do professor é uma questão estruturante. Sem ela, nenhuma melhora é possível”, sentencia Guiomar. Aperfeiçoar a formação dos docentes e coordenar as ações de estados e municípios que quiserem promover reformas na área - ambas tarefas do governo federal - serão desafios do presidente que o país elegerá neste ano. Confirma a seguir os principais trechos da entrevista que a educadora concedeu à revista VEJA.
A senhora costuma afirmar que, até o início dos anos 90, a educação não fazia parte da agenda estratégia dos governos. Hoje, ela já está entre as prioridades?
Os setores mais bem informados da sociedade se deram conta de que a educação é urgente em termos de desenvolvimento sustentável. Por isso, acredito que haja uma pressão maior por parte da população. No entanto, a educação vem sempre carregada de visões imediatistas e às vezes extremamente pessoais dos governantes. Na política, a educação está facilmente sujeita a uma certa pirotecnia, ou seja, os governos e os políticos em geral querem sempre faturar mais com o menor custo possível. E, assim, faltam foco e prioridade. Faltam medidas que se dirijam a questões estruturantes da educação.
Quais são essas questões?
A qualidade da formação do professor, por exemplo, é uma questão estruturante. Sem ela, nenhuma melhoria é possível. E há pouca disponibilidade para atacar esse problema. É preciso mudar completamente os sistema de formação de professores, que ficou refém de um ensino superior. Mas não há disposição de se investir política e financeiramente para atrair os melhores para a carreira de professor.
O que fazer para formar um bom professor?
É preciso enfrentar os cursos de pedagogia, mas não vejo nenhum político se referindo a isso. Também temos que formar o professor em tempo integral, porque eles estão saindo do ensino médio analfabetos e chegam ao ensino superior para reproduzir a sua ignorância. Depois, vão para a escola pública e repetem o círculo vicioso da ignorância. Então, quem precisa de escola em tempo integral no Brasil é professor, não aluno. Nosso professor sai da escola pública: depois de uma formação deficitária no ensino superior particular, onde ele pode dar aula? No ensino público, de onde saiu. E ainda tem quem diga que é ele o culpado pela má qualidade do ensino. Ele não é culpado, mas apenas uma peça dessa engrenagem. Para enfrentar esse problema é preciso vontade política e recursos financeiros para investir na formação do professor. Se estivéssemos dispostos a fazer isso, poderíamos ter um ensino de qualidade.
No Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) de 2008, apenas 2,7% dos cursos de pedagogia alcançaram a nota máxima, igual a 5. O que precisa mudar no currículo dessas instituições?
Precisamos de um currículo onde o futuro professor não estude só a teoria. Ele precisa conhecer a prática desde o primeiro dia, como os médicos. O modelo de formação clínica é o melhor modelo para o professor. Ele não precisa estudar os recônditos da pedagogia. Ele precisa aprender como se ensina e como o aluno aprende. O professor é um artesão, ele não é um grande criador. Da mesma forma que o médico não é um criador. Ele tem que ser um excelente aplicador de conhecimento. A sala de aula é o foco e a referência do trabalho dele.
O currículo escolar praticado hoje é outra questão estruturante?
Sim. Hoje temos um ensino enciclopédico e precisamos acabar com essa crença. Precisamos saber para que finalidade queremos educar os jovens. Temos que educá-los para sobreviver em um mundo cada vez mais complicado, em que a informação está disponível para todos. Para isso, você precisa desenvolver competências que são básicas: saber falar, pensar, usar a linguagem, aplicar o conhecimento adquirido para entender o mundo ao seu redor. É preciso um ensino mais relevante. Ou a gente atende a esses desafios ou não melhoramos o ensino.
Muitos especialistas apontam que o salário do professor é um empecilho para o avanço da educação no Brasil. Como a senhora enxerga essa questão?
A remuneração é um fator a ser revisto. O salário precisa melhorar, mas só isso não resolve o problema. O aumento do salário tem que ser uma decorrência do aumento da responsabilidade do professor e do mérito. Se você me perguntasse se o professor ganha mal, eu diria que sim. Mas para o que alguns professores fazem, é muito. E para o que outros fazem, é pouquíssimo. Para corrigir isso, precisamos de mecanismos para diferenciar um do outro. O que não pode é aumentar o salário de todos.
A meritocracia é uma saída para isso?
A ainda que seja uma única medida, ela é interessante e pode fazer a diferença em São Paulo, onde foi aplicada. Porque se o professor quiser progredir só pelo tempo de trabalho - como normalmente ocorre - o salário dele aumenta em um determinado ritmo. Mas se ele quiser fazer um concurso sobre o conteúdo que ele ensina, ele pode ter um aumento substancial e buscar um atalho na carreira. Ele começa a ganhar mais antes do tempo previsto. Acredito que são esses os mecanismos que atraem os profissionais. Porém, é preciso lembrar que na educação não existe uma única saída. A solução tem que mexer em diferentes fatores. Sozinha a meritocracia não resolve muito. Por mais que incentive o professor, se ele não sabe como ensinar, ele precisa aprender.
Qual o maior desafio na área da educação que o próximo presidente, a ser eleito neste ano, deverá enfrentar?
A questão do professor talvez seja o abacaxi mais complicado para descascar, em todos esses aspectos. O presidente da República manda no ensino superior. E é no ensino superior que está o problema do professor. Não adianta desconversar. A questão da formação do professor é responsabilidade do Ministério da Educação – seja no ensino superior público federal ou nas faculdade e universidades particulares, que são autorizadas e supervisionadas pelo governo. Portanto não dá para se esquivar. Também precisamos lembrar que o governo federal não é o gestor do ensino básico no Brasil. Gestores são estados e municípios. Cabe ao governo federal liderar e coordenar políticas para estados e municípios que queiram promover reformas. E para isso é preciso haver um grande pacto federativo da educação. O presidente eleito precisa usar o respaldo que ganhará nas urnas para chamar estados e municípios e equacionar os problemas mais estruturantes da educação. É importante estabelecer um pacto federativo.
O TAMANHO DO ESTADO |
O estado brasileiro gasta muito - e gasta mal. Um exemplo: de cada 100 reais despendidos pelo governo federal, apenas 8 viram investimentos em infra-estrutura, educação, saúde... Os demais 92 reais são tragados pelas engrenagens estatais. Fazer esta máquina mais eficiente é um desafio do próximo presidente.
Portanto, a cada ano, aproximadamente 92% dos gastos do governo federal – excluindo-se pagamento de dívidas e transferências – são engolidos pelas engrenagens do estado brasileiro. De cada cem reais, 25 são destinados ao pagamento de pessoal e outros 67, ao custeio da máquina – despesas que vão do cafezinho servido nas repartições públicas à gasolina que move os veículos de autoridades. Para investimentos em infra-estrutura, saúde, ciência etc., sobram apenas 8%.
Outra demonstração de como a máquina drena os recursos do país está nas estatísticas levantadas pelo professor de finanças públicas Ricardo Bergamini. De janeiro de 2003 até abril deste ano, o gabinete da Presidência da Republica desembolsou 23,4 bilhões de reais. A quantia superou os gastos individuais de oito ministérios: Orçamento e Gestão, Relações Exteriores, Indústria e Comércio, Meio Ambiente, Comunicações, Esportes, Cultura e Turismo.
BNDES - Bondade que custa caro
O debate sobre a atuação do Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES) tomou nova dimensão com o acirramento do debate eleitoral. De um lado, economistas, políticos de oposição e jornalistas – inclusive os da conceituada revista The Economist, que disse que o banco promove o “Carnaval do crédito” – afirmam que seu grande volume de desembolsos, viabilizado por crescentes aportes do Tesouro Nacional, tem elevado de forma perigosa a dívida bruta do país, que hoje ultrapassa os 60% do PIB. Na visão dos críticos, a instituição funciona como uma espécie de orçamento paralelo. Do outro lado, há empresários que argumentam que o BNDES desempenha um papel importante na construção do futuro do país. Na semana passada, por exemplo, doze associações patronais saíram em defesa do banco em carta aberta publicada na imprensa.
Economistas são unânimes em afirmar que o país pode pagar caro se não houver reversão da atual trajetória de piora da política fiscal. Apontam também que a atuação do banco não é transparente, não havendo explicações plausíveis para a escolha de campeãs nacionais.
De fato, o BNDES, enquanto banco público de fomento, tem como função ofertar financiamento de longo prazo para realização de investimentos. Para tanto, capta recursos de diversas fontes, como do Fundo de Amparo ao Trabalhador (conforme prevê a Constituição) e no mercado financeiro. A instituição conta ainda com o retorno de suas próprias operações de crédito – responsável pela maior parte de seu fluxo de caixa – e eventuais vendas de ativos. Contudo, a fonte de recursos que mais tem chamado a atenção dos economistas, por conta de sua crescente participação, é o auxílio vindo do Tesouro. Seus aportes somam 180 bilhões de reais entre 2009 e 2010.
Para apoiar o BNDES, o Tesouro emite títulos da dívida pública remunerados pela taxa básica de juros (a Selic, atualmente em 10,75% ao ano) e aporta a quantia no banco. Este, por sua vez, ao receber esses recursos, compromete-se a quitar a dívida com o governo não em conformidade com as taxas de mercado, mas sim a valores inferiores. Em resumo, o Tesouro tem prejuízo neste tipo específico de transação e a manutenção desse subsídio implica aumento do gasto público.
Desta forma, o BNDES consegue emprestar às empresas a juros subsidiados, com remuneração média equivalente a TJLP, de 6%, ou até mais baixa em alguns casos. A crítica feita por analistas é que não se sabe, na ponta do lápis, o quanto essa ‘política da bondade’ custeada com o dinheiro do contribuinte – os empréstimos saltaram de 40 bilhões de reais em 2004 para 137,4 bilhões de reais em 2009 – traduz-se em crescimento econômico. “É difícil fazer essa conta. A avaliação é bastante subjetiva. Certamente não é toda operação do BNDES que está gerando liquidamente uma arrecadação de impostos que não seria gerada de qualquer maneira”, explica Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central.
Na visão do ex-ministro da Fazenda, Maílson da Nóbrega, a atuação do BNDES traz efeitos positivos para o país, viabilizando investimentos e, consequentemente, aumentando a produtividade, o emprego e a arrecadação. No entanto, critica a falta de transparência na condução das operações. “O que muitos economistas destacam é que o governo tenta esconder generosos subsídios concedidos a empresas mediante o suprimento de recursos públicos ao BNDES. Além disso, há reclamações de que tem buscado ocultar o crescimento da dívida bruta”, afirma.
A emissão de títulos para viabilizar os repasses ao banco engorda a dívida bruta, mas não aparece na contabilidade da dívida líquida – um dos principais indicadores de solvência das finanças públicas. A razão por trás disso é que o governo tem lançado mão, nos últimos anos, de exclusões do cálculo de determinados desembolsos, como, por exemplo, os referentes às obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Por conta apenas do ‘efeito BNDES’, a dívida mobiliária (principal componente do endividamento bruto do governo geral) aumentou em 207,5 bilhões de reais de 2008 a 2010.
O grande problema dessa “contabilidade criativa’ é colocar em risco a credibilidade das contas públicas do país. De acordo com Felipe Salto, economista da Tendências Consultoria, o endividamento bruto demora mais para ser percebido, “mas se for sistemático, a retaliação é imediata”, explica.
As empresas campeãs – Outro aspecto da falta de transparência do BNDES, apontado por economistas, é a obscuridade dos critérios de escolha das empresas que recebem os recursos subsidiados. “O BNDES acaba escolhendo ‘vencedoras’. Existe essa visão de que o Brasil precisa ter grandes empresas, de que o BNDES deve turbiná-las. Mas até que ponto o mercado não poderia financiá-las?”, reclama Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central. “No Brasil, assim como existem os sem-terra e os com-terra, existem o sem-BNDES e os com-BNDES”, critica.
O economista Felipe Salto acrescenta que o governo distribui dinheiro público para companhias que, às vezes, nem precisam. “Por que a sociedade precisa pagar esse custo para que algumas empresas tenham crédito? Não faz sentido. O custo fiscal quem paga é a sociedade porque ele aparece, em algum momento, no aumento da dívida de um lado, na ampliação de gastos de outro, e na elevação dos juros de outro”, questiona Salto.
Política anticíclica – Há algum tempo, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, vem reiterando que o Tesouro não dará continuidade à política de realizar aportes volumosos no BNDES. Segundo ele, esses recursos foram imprescindíveis para dar liquidez à economia no ano passado, quando se viu uma escassez de crédito provocada pela crise financeira. Contudo, afirma Mantega, o banco terá de, a partir de agora, “andar com suas próprias pernas” e “aprender a captar no mercado”. Ele admitiu que os aportes provocam crescimento da dívida bruta, mas reforça que os recursos serão devolvidos ao Estado.
O raciocínio de que a expansão generalizada dos desembolsos do banco via aportes do Tesouro não impacta a dívida bruta, já que o dinheiro retorna aos cofres públicos, não faz sentido, de acordo com alguns especialistas ouvidos por VEJA.com. Salto argumenta que o BNDES precisa buscar outras fontes de captação, “porque, no limite, é possível emitir 1 trilhão de reais em dívida e colocar na mão do BNDES sob o argumento de isso vai trazer investimento”. Contudo, essa ‘fórmula mágica’ pode deteriorar significativamente a situação fiscal brasileira no longo prazo.
Despesa obrigatória dificulta reformas
A despeito dos momentos alternados de melhor e pior condução das contas públicas, é fácil constatar que, no Brasil, dinheiro a mais na conta do governo não significa retorno, na mesma proporção, em melhoria da qualidade dos serviços públicos. De um lado, o país conta com a segunda maior carga tributária entre as nações emergentes, de 35% do PIB. A taxa é semelhante à do Reino Unido (35,7%). Os serviços, contudo, não são nada britânicos.
Despesas obrigatórias predominam – No sinuoso caminho percorrido pelo dinheiro público, menos de 10% do Orçamento é direcionado a investimentos que podem se traduzir em crescimento econômico e melhoria dos indicadores sociais. Os números do Orçamento para este ano, aprovado em 2009, são reveladores dessa discrepância.
Primeiramente, chama a atenção o fato de os gastos obrigatórios responderem por 90% de tudo o que é orçado. Quatro grandes itens se destacam: o serviço da dívida pública, os benefícios previdenciários e assistenciais, as transferências a estados e municípios e os dispêndios com pessoal e encargos sociais.
O governo tem liberdade para definir como gastar apenas 10% do Orçamento, na rubrica conhecida por "despesas discricionárias". Faz parte deste montante aquilo que se entende por investimento público, que resultará na expansão de capital fixo e humano: saúde, educação, bolsa-família, PAC, ciência & tecnologia etc.
Supondo que o Orçamento do governo fosse de 100 reais, mais da metade dele, ou 53,85 reais, seria destinada à rolagem da dívida (amortização, pagamento de juros e demais despesas financeiras). Logo atrás estariam os benefícios previdenciários e assistenciais, que subtrairiam do valor total 17,13 reais. Na sequência viriam os gastos com pessoal e encargos, que diminuiriam 9,74 reais do montante. Por fim, o governo teria de separar 8,15 reais de seu orçamento para transferir a estados e municípios.
Bem menor é a magnitude das despesas com investimentos. Aqui há de se fazer uma ressalva: uma parte do capital voltado a saúde e educação encontra-se classificada na seção "obrigatória". Alocados na parcela "discricionária" do Orçamento, os desembolsos para a área de saúde representariam, daqueles 100 reais iniciais, somente 2,93 reais. Educação, por sua vez, ficaria só com 1,27 reais.
O tão propagandeado PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) – cuja missão é dar conta dos investimentos em infra-estrutura, como a construção de ferrovias, estradas, dragagem de portos etc. – corresponderia a um dispêndio ínfimo de 1,41 real para cada 100 reais orçados. Só de juros e encargos da dívida, de acordo com o Ministério do Planejamento, o Brasil pagaria quase cinco vezes este montante.
Debate sobre o choque de gestão – A fim de que sobre mais dinheiro no orçamento da União para investimentos, Felipe Salto, economista da Tendências, defende a adoção de reformas estruturais profundas. “Consolidar o regime dos servidores públicos e o INSS em um único sistema, por exemplo, eliminaria algumas excrescências como aposentadorias integrais e injustas para uma minoria”, afirma Salto.
Como este tipo de reforma exigiria uma série de atitudes impopulares do ponto de vista político, o que dificultaria ou impediria sua execução, Salto defende as chamadas “reformas incrementais”. Estas promoveriam um choque de gestão, ou seja, métodos mais eficientes de remanejamento do dinheiro público dentro do Orçamento sem que haja mudanças na constituição federal.
A crença na eficácia desta proposta não é unânime entre os economistas. O estudo Dois Mitos das Contas Públicas, redigido por Mansueto Almeida, do IPEA, e Samuel Pessoa, do IBRE da Fundação Getúlio Vargas, aponta o contrário. Na avaliação deles, uma reforma estrutural do estado não sairia de ajustes na máquina pública, pois esta teria muito pouco a contribuir para a economia das despesas.
Portanto, a cada ano, aproximadamente 92% dos gastos do governo federal – excluindo-se pagamento de dívidas e transferências – são engolidos pelas engrenagens do estado brasileiro. De cada cem reais, 25 são destinados ao pagamento de pessoal e outros 67, ao custeio da máquina – despesas que vão do cafezinho servido nas repartições públicas à gasolina que move os veículos de autoridades. Para investimentos em infra-estrutura, saúde, ciência etc., sobram apenas 8%.
Outra demonstração de como a máquina drena os recursos do país está nas estatísticas levantadas pelo professor de finanças públicas Ricardo Bergamini. De janeiro de 2003 até abril deste ano, o gabinete da Presidência da Republica desembolsou 23,4 bilhões de reais. A quantia superou os gastos individuais de oito ministérios: Orçamento e Gestão, Relações Exteriores, Indústria e Comércio, Meio Ambiente, Comunicações, Esportes, Cultura e Turismo.
BNDES - Bondade que custa caro
O debate sobre a atuação do Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES) tomou nova dimensão com o acirramento do debate eleitoral. De um lado, economistas, políticos de oposição e jornalistas – inclusive os da conceituada revista The Economist, que disse que o banco promove o “Carnaval do crédito” – afirmam que seu grande volume de desembolsos, viabilizado por crescentes aportes do Tesouro Nacional, tem elevado de forma perigosa a dívida bruta do país, que hoje ultrapassa os 60% do PIB. Na visão dos críticos, a instituição funciona como uma espécie de orçamento paralelo. Do outro lado, há empresários que argumentam que o BNDES desempenha um papel importante na construção do futuro do país. Na semana passada, por exemplo, doze associações patronais saíram em defesa do banco em carta aberta publicada na imprensa.
Economistas são unânimes em afirmar que o país pode pagar caro se não houver reversão da atual trajetória de piora da política fiscal. Apontam também que a atuação do banco não é transparente, não havendo explicações plausíveis para a escolha de campeãs nacionais.
De fato, o BNDES, enquanto banco público de fomento, tem como função ofertar financiamento de longo prazo para realização de investimentos. Para tanto, capta recursos de diversas fontes, como do Fundo de Amparo ao Trabalhador (conforme prevê a Constituição) e no mercado financeiro. A instituição conta ainda com o retorno de suas próprias operações de crédito – responsável pela maior parte de seu fluxo de caixa – e eventuais vendas de ativos. Contudo, a fonte de recursos que mais tem chamado a atenção dos economistas, por conta de sua crescente participação, é o auxílio vindo do Tesouro. Seus aportes somam 180 bilhões de reais entre 2009 e 2010.
Para apoiar o BNDES, o Tesouro emite títulos da dívida pública remunerados pela taxa básica de juros (a Selic, atualmente em 10,75% ao ano) e aporta a quantia no banco. Este, por sua vez, ao receber esses recursos, compromete-se a quitar a dívida com o governo não em conformidade com as taxas de mercado, mas sim a valores inferiores. Em resumo, o Tesouro tem prejuízo neste tipo específico de transação e a manutenção desse subsídio implica aumento do gasto público.
Desta forma, o BNDES consegue emprestar às empresas a juros subsidiados, com remuneração média equivalente a TJLP, de 6%, ou até mais baixa em alguns casos. A crítica feita por analistas é que não se sabe, na ponta do lápis, o quanto essa ‘política da bondade’ custeada com o dinheiro do contribuinte – os empréstimos saltaram de 40 bilhões de reais em 2004 para 137,4 bilhões de reais em 2009 – traduz-se em crescimento econômico. “É difícil fazer essa conta. A avaliação é bastante subjetiva. Certamente não é toda operação do BNDES que está gerando liquidamente uma arrecadação de impostos que não seria gerada de qualquer maneira”, explica Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central.
Na visão do ex-ministro da Fazenda, Maílson da Nóbrega, a atuação do BNDES traz efeitos positivos para o país, viabilizando investimentos e, consequentemente, aumentando a produtividade, o emprego e a arrecadação. No entanto, critica a falta de transparência na condução das operações. “O que muitos economistas destacam é que o governo tenta esconder generosos subsídios concedidos a empresas mediante o suprimento de recursos públicos ao BNDES. Além disso, há reclamações de que tem buscado ocultar o crescimento da dívida bruta”, afirma.
A emissão de títulos para viabilizar os repasses ao banco engorda a dívida bruta, mas não aparece na contabilidade da dívida líquida – um dos principais indicadores de solvência das finanças públicas. A razão por trás disso é que o governo tem lançado mão, nos últimos anos, de exclusões do cálculo de determinados desembolsos, como, por exemplo, os referentes às obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Por conta apenas do ‘efeito BNDES’, a dívida mobiliária (principal componente do endividamento bruto do governo geral) aumentou em 207,5 bilhões de reais de 2008 a 2010.
O grande problema dessa “contabilidade criativa’ é colocar em risco a credibilidade das contas públicas do país. De acordo com Felipe Salto, economista da Tendências Consultoria, o endividamento bruto demora mais para ser percebido, “mas se for sistemático, a retaliação é imediata”, explica.
As empresas campeãs – Outro aspecto da falta de transparência do BNDES, apontado por economistas, é a obscuridade dos critérios de escolha das empresas que recebem os recursos subsidiados. “O BNDES acaba escolhendo ‘vencedoras’. Existe essa visão de que o Brasil precisa ter grandes empresas, de que o BNDES deve turbiná-las. Mas até que ponto o mercado não poderia financiá-las?”, reclama Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central. “No Brasil, assim como existem os sem-terra e os com-terra, existem o sem-BNDES e os com-BNDES”, critica.
O economista Felipe Salto acrescenta que o governo distribui dinheiro público para companhias que, às vezes, nem precisam. “Por que a sociedade precisa pagar esse custo para que algumas empresas tenham crédito? Não faz sentido. O custo fiscal quem paga é a sociedade porque ele aparece, em algum momento, no aumento da dívida de um lado, na ampliação de gastos de outro, e na elevação dos juros de outro”, questiona Salto.
Política anticíclica – Há algum tempo, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, vem reiterando que o Tesouro não dará continuidade à política de realizar aportes volumosos no BNDES. Segundo ele, esses recursos foram imprescindíveis para dar liquidez à economia no ano passado, quando se viu uma escassez de crédito provocada pela crise financeira. Contudo, afirma Mantega, o banco terá de, a partir de agora, “andar com suas próprias pernas” e “aprender a captar no mercado”. Ele admitiu que os aportes provocam crescimento da dívida bruta, mas reforça que os recursos serão devolvidos ao Estado.
O raciocínio de que a expansão generalizada dos desembolsos do banco via aportes do Tesouro não impacta a dívida bruta, já que o dinheiro retorna aos cofres públicos, não faz sentido, de acordo com alguns especialistas ouvidos por VEJA.com. Salto argumenta que o BNDES precisa buscar outras fontes de captação, “porque, no limite, é possível emitir 1 trilhão de reais em dívida e colocar na mão do BNDES sob o argumento de isso vai trazer investimento”. Contudo, essa ‘fórmula mágica’ pode deteriorar significativamente a situação fiscal brasileira no longo prazo.
Despesa obrigatória dificulta reformas
A despeito dos momentos alternados de melhor e pior condução das contas públicas, é fácil constatar que, no Brasil, dinheiro a mais na conta do governo não significa retorno, na mesma proporção, em melhoria da qualidade dos serviços públicos. De um lado, o país conta com a segunda maior carga tributária entre as nações emergentes, de 35% do PIB. A taxa é semelhante à do Reino Unido (35,7%). Os serviços, contudo, não são nada britânicos.
Despesas obrigatórias predominam – No sinuoso caminho percorrido pelo dinheiro público, menos de 10% do Orçamento é direcionado a investimentos que podem se traduzir em crescimento econômico e melhoria dos indicadores sociais. Os números do Orçamento para este ano, aprovado em 2009, são reveladores dessa discrepância.
Primeiramente, chama a atenção o fato de os gastos obrigatórios responderem por 90% de tudo o que é orçado. Quatro grandes itens se destacam: o serviço da dívida pública, os benefícios previdenciários e assistenciais, as transferências a estados e municípios e os dispêndios com pessoal e encargos sociais.
O governo tem liberdade para definir como gastar apenas 10% do Orçamento, na rubrica conhecida por "despesas discricionárias". Faz parte deste montante aquilo que se entende por investimento público, que resultará na expansão de capital fixo e humano: saúde, educação, bolsa-família, PAC, ciência & tecnologia etc.
Supondo que o Orçamento do governo fosse de 100 reais, mais da metade dele, ou 53,85 reais, seria destinada à rolagem da dívida (amortização, pagamento de juros e demais despesas financeiras). Logo atrás estariam os benefícios previdenciários e assistenciais, que subtrairiam do valor total 17,13 reais. Na sequência viriam os gastos com pessoal e encargos, que diminuiriam 9,74 reais do montante. Por fim, o governo teria de separar 8,15 reais de seu orçamento para transferir a estados e municípios.
Bem menor é a magnitude das despesas com investimentos. Aqui há de se fazer uma ressalva: uma parte do capital voltado a saúde e educação encontra-se classificada na seção "obrigatória". Alocados na parcela "discricionária" do Orçamento, os desembolsos para a área de saúde representariam, daqueles 100 reais iniciais, somente 2,93 reais. Educação, por sua vez, ficaria só com 1,27 reais.
O tão propagandeado PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) – cuja missão é dar conta dos investimentos em infra-estrutura, como a construção de ferrovias, estradas, dragagem de portos etc. – corresponderia a um dispêndio ínfimo de 1,41 real para cada 100 reais orçados. Só de juros e encargos da dívida, de acordo com o Ministério do Planejamento, o Brasil pagaria quase cinco vezes este montante.
Debate sobre o choque de gestão – A fim de que sobre mais dinheiro no orçamento da União para investimentos, Felipe Salto, economista da Tendências, defende a adoção de reformas estruturais profundas. “Consolidar o regime dos servidores públicos e o INSS em um único sistema, por exemplo, eliminaria algumas excrescências como aposentadorias integrais e injustas para uma minoria”, afirma Salto.
Como este tipo de reforma exigiria uma série de atitudes impopulares do ponto de vista político, o que dificultaria ou impediria sua execução, Salto defende as chamadas “reformas incrementais”. Estas promoveriam um choque de gestão, ou seja, métodos mais eficientes de remanejamento do dinheiro público dentro do Orçamento sem que haja mudanças na constituição federal.
A crença na eficácia desta proposta não é unânime entre os economistas. O estudo Dois Mitos das Contas Públicas, redigido por Mansueto Almeida, do IPEA, e Samuel Pessoa, do IBRE da Fundação Getúlio Vargas, aponta o contrário. Na avaliação deles, uma reforma estrutural do estado não sairia de ajustes na máquina pública, pois esta teria muito pouco a contribuir para a economia das despesas.
SEGURANÇA PÚBLICA |
A violência é um dos temas que mais afligem o brasileiro. É fácil entender por que: o país registra estatísticas de homicídios comparáveis a nações em guerra, a violência se espalha entre jovens e pelo interior do território.
O governo federal mantém certa distância do tema segurança pública no Brasil, uma vez que, por determinação constitucional, o controle das polícias militar e civil fica a cargo dos estados. Contudo, especialistas afirmam que caberá ao próximo presidente eleito combater ao menos dois gargalos que colocam o país entre os países mais violentos do planeta: impunidade e baixo investimento em inteligência.
Um estudo do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) revelou que o Brasil, com 2,8% da população mundial, registrou 11% das mortes por arma de fogo do planeta em 2004. Para especialistas, as diferenças regionais deveriam influir no tipo de combate à violência. As capitais e regiões metropolitanas ainda concentram a maior parte dos assassinatos, mas os índices apresentam queda nos últimos anos, graças a investimentos (ainda insuficientes) em programas como bancos de dados, combate à impunidade e construção de prisões. Essas regiões são afetadas especialmente pelo tráfico de drogas.
Nos últimos anos, o Brasil se tornou o segundo maior consumidor mundial e um dos maiores centros de movimentação de cocaína. Estima-se que o país consuma de 40 a 50 toneladas da droga por ano, exportando mais ou menos a mesma quantidade. A Polícia Federal e as polícias estaduais apreendem apenas 15% de toda a cocaína que circula pelo território nacional. Os principais fornecedores do Brasil são Bolívia, Colômbia e Peru.
Ineficiência – Para o coronel José Vicente da Silva, ex-secretário nacional de Segurança Pública, “a precariedade de sistemas de seleção, formação, supervisão, disciplina, corregedoria ativa, controle externo e baixos salários têm incrementado excessivamente a vulnerabilidade das polícias não só à violência como à corrupção”. Ele aponta ainda ineficiência na investigação policial. “É uma regra nacional, confirmada pelas raras e pontuais exceções. Estima-se que a taxa de casos elucidados em inquéritos de homicídio – geralmente o tipo de crime que mais se esclarece – não chegue a 5%”, afirma.
Por esse motivo, Silva sugere o desenvolvimento de um Plano Nacional de Segurança Pública a partir de um retrato da violência pelo país, que ouviria governos, lideranças políticas e entidades. O ponto central, diz o coronel, é diminuir a impunidade. “O governo federal deve desenvolver iniciativas, através do Ministério da Justiça, para as mudanças legais e nos aparatos da Justiça e execução penal para reduzir as brechas da impunidade e assegurar a punição ágil dos criminosos como instrumento de dissuasão.”
Interiorização – A partir de 1999, as regiões metropolitanas receberam a maior parte dos recursos para o combate a violência. Foram canalizados recursos federais e estaduais para aparelhamento dos sistemas de segurança. Isso dificultou a ação da criminalidade organizada, que migrou para as áreas de menor risco, no interior dos estados. A taxa média de assassinatos nas capitais caiu de 45,7 para 36,6 a cada 100.000 habitantes, entre 1997 e 2007. Por outro lado, as ocorrências em municípios do interior subiram de 13,5 para 18,5 a cada 100.000 habitantes no mesmo período.
O sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz é o responsável pela elaboração do Mapa da Violência no Brasil, um estudo detalhado sobre os índices de criminalidade em todos os municípios. Ele afirma que o governo federal deve ajudar a envolver municípios no combate à violência tomando a frente no trabalho de inteligência e mapeando os problemas regionais. “O combate tem que ser específico para cada tipo de região. Tem que haver diagnóstico. O primeiro passo da cura é a consciência da enfermidade. Difundiu-se entre nós a ideia de que a violência é um fenômeno quase natural, o que é um erro. Ela é um fenômeno determinado por fatores específicos que podem ser removidos”, diz Waiselfisz.
Segundo ele, três estados que canalizaram recursos para o combate à violência, São Paulo, Minas e Rio, apresentaram quedas nas taxas de homicídios em anos recentes. Porém, houve prioridade nas capitais, o que fez com que a violência se deslocasse ou diminuísse menos no interior. "Em São Paulo, os homicídios caíram 65% na capital e, no interior, apenas 27%. No Rio, a partir de 2004, a queda na capital e na região metropolitana foi de 39,8%, mas no interior houve aumento de 33,6%”, explica Waiselfisz.
Os dados mostram cinco tipos básicos de cidades violentas no interior, com uma característica em comum: “Há casos de conivência das forças publicas e locais que se beneficiam da economia da violência, algo que ocorre menos nas capitais e zonas metropolitanas”, diz Waiselfisz. Confira a classificação dos tipos de municípios violentos:
1. Municípios de zona de fronteira: são usados como porta de entrada de contrabando de armas, drogas e produtos piratas. Um exemplo é Coronel Sapucaia (MS), que faz fronteira com Paraguai e registra 103 assassinatos a cada 100.000 habitantes, o que a torna a quinta cidade mais violenta do país.
2. Arco do desmatamento amazônico: cidades que vivem do desmatamento ilegal, o que gera pistolagem e violência. Na média dos últimos cinco anos, Tailândia (PA) é o município mais violento do país, com mais de 130 assassinatos a cada 100.000 habitantes.
3. Zona de pistolagem tradicional: típica do Nordeste, onde o coronelismo prevalece. Exemplo clássico é o polígono da maconha, em Pernambuco. A cidade de Belém de São Francisco tem média de 43 assassinatos a cada 100.000 habitantes.
4. Novos municípios atrativos para investimentos e população: o crescimento de cidades no interior faz com que, muitas vezes, a criminalidade se organize antes do poder público. O polo de agricultura irrigada de Petrolina (PE) é um exemplo. A cidade tem 54,1 homicídios a cada 100.000 habitantes.
5. Turismo de fim de semana: em São Paulo, os últimos anos marcaram um aumento da violência em cidades litorâneas como Guarujá e Santos, que registram o dobro da média de assassinatos do estado (22,6 a cada 100.000 habitantes). Angra dos Reis (RJ) tem 24,4 a cada 100.000.
Mortes por homicídio aumentaram 32% no país em 15 anos
A taxa de morte por homicídios no Brasil aumentou aproximadamente 32% em 15 anos. É o que mostra um estudo do Ministério da Saúde divulgado nesta quarta-feira pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
De acordo com o levantamento, a taxa de mortes por homicídio a cada 100.000 habitantes saltou de 19,2 em 1992 para 25,4 em 2007 – um acréscimo de 6,2 em números absolutos. Enquanto entre 1992 e 2003 houve um aumento no coeficiente, a partir de 2004 observa-se uma tendência de queda.
A pesquisa mostra ainda que a incidência de morte por homicídio entre os homens é, em média, 10 vezes maior do que entre as mulheres. Em 2007, por exemplo, a taxa masculina foi de 47,7 mortes a cada 100.000 habitantes, ante 3,9 entre as mulheres. Em 1992, era de 35,6 para os homens e de 3,2 para as mulheres.
O levantamento aponta o estado de Alagoas como o líder na taxa de mortes por homicídio, com média de 59,5 para cada 100.000 habitantes em 2007. Em seguida estão Espírito Santo (53,3) e Pernambuco (53). O Rio de Janeiro ocupava o quarto lugar em 2007, com taxa de 41,5. Já Santa Catarina (10,4), Piauí (12,4) e São Paulo (15,4) eram os estados com as menores taxas.
O IBGE argumenta que os óbitos por homicídios afetam a esperança de vida da população brasileira, que não é superior justamente por causa dos altos índices de morte prematura, sobretudo de jovens do sexo masculino. Os dados foram divulgados na pesquisa Indicadores de Desenvolvimento Sustentável, referente ao ano de 2010.
O governo federal mantém certa distância do tema segurança pública no Brasil, uma vez que, por determinação constitucional, o controle das polícias militar e civil fica a cargo dos estados. Contudo, especialistas afirmam que caberá ao próximo presidente eleito combater ao menos dois gargalos que colocam o país entre os países mais violentos do planeta: impunidade e baixo investimento em inteligência.
Um estudo do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) revelou que o Brasil, com 2,8% da população mundial, registrou 11% das mortes por arma de fogo do planeta em 2004. Para especialistas, as diferenças regionais deveriam influir no tipo de combate à violência. As capitais e regiões metropolitanas ainda concentram a maior parte dos assassinatos, mas os índices apresentam queda nos últimos anos, graças a investimentos (ainda insuficientes) em programas como bancos de dados, combate à impunidade e construção de prisões. Essas regiões são afetadas especialmente pelo tráfico de drogas.
Nos últimos anos, o Brasil se tornou o segundo maior consumidor mundial e um dos maiores centros de movimentação de cocaína. Estima-se que o país consuma de 40 a 50 toneladas da droga por ano, exportando mais ou menos a mesma quantidade. A Polícia Federal e as polícias estaduais apreendem apenas 15% de toda a cocaína que circula pelo território nacional. Os principais fornecedores do Brasil são Bolívia, Colômbia e Peru.
Ineficiência – Para o coronel José Vicente da Silva, ex-secretário nacional de Segurança Pública, “a precariedade de sistemas de seleção, formação, supervisão, disciplina, corregedoria ativa, controle externo e baixos salários têm incrementado excessivamente a vulnerabilidade das polícias não só à violência como à corrupção”. Ele aponta ainda ineficiência na investigação policial. “É uma regra nacional, confirmada pelas raras e pontuais exceções. Estima-se que a taxa de casos elucidados em inquéritos de homicídio – geralmente o tipo de crime que mais se esclarece – não chegue a 5%”, afirma.
Por esse motivo, Silva sugere o desenvolvimento de um Plano Nacional de Segurança Pública a partir de um retrato da violência pelo país, que ouviria governos, lideranças políticas e entidades. O ponto central, diz o coronel, é diminuir a impunidade. “O governo federal deve desenvolver iniciativas, através do Ministério da Justiça, para as mudanças legais e nos aparatos da Justiça e execução penal para reduzir as brechas da impunidade e assegurar a punição ágil dos criminosos como instrumento de dissuasão.”
Interiorização – A partir de 1999, as regiões metropolitanas receberam a maior parte dos recursos para o combate a violência. Foram canalizados recursos federais e estaduais para aparelhamento dos sistemas de segurança. Isso dificultou a ação da criminalidade organizada, que migrou para as áreas de menor risco, no interior dos estados. A taxa média de assassinatos nas capitais caiu de 45,7 para 36,6 a cada 100.000 habitantes, entre 1997 e 2007. Por outro lado, as ocorrências em municípios do interior subiram de 13,5 para 18,5 a cada 100.000 habitantes no mesmo período.
O sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz é o responsável pela elaboração do Mapa da Violência no Brasil, um estudo detalhado sobre os índices de criminalidade em todos os municípios. Ele afirma que o governo federal deve ajudar a envolver municípios no combate à violência tomando a frente no trabalho de inteligência e mapeando os problemas regionais. “O combate tem que ser específico para cada tipo de região. Tem que haver diagnóstico. O primeiro passo da cura é a consciência da enfermidade. Difundiu-se entre nós a ideia de que a violência é um fenômeno quase natural, o que é um erro. Ela é um fenômeno determinado por fatores específicos que podem ser removidos”, diz Waiselfisz.
Segundo ele, três estados que canalizaram recursos para o combate à violência, São Paulo, Minas e Rio, apresentaram quedas nas taxas de homicídios em anos recentes. Porém, houve prioridade nas capitais, o que fez com que a violência se deslocasse ou diminuísse menos no interior. "Em São Paulo, os homicídios caíram 65% na capital e, no interior, apenas 27%. No Rio, a partir de 2004, a queda na capital e na região metropolitana foi de 39,8%, mas no interior houve aumento de 33,6%”, explica Waiselfisz.
Os dados mostram cinco tipos básicos de cidades violentas no interior, com uma característica em comum: “Há casos de conivência das forças publicas e locais que se beneficiam da economia da violência, algo que ocorre menos nas capitais e zonas metropolitanas”, diz Waiselfisz. Confira a classificação dos tipos de municípios violentos:
1. Municípios de zona de fronteira: são usados como porta de entrada de contrabando de armas, drogas e produtos piratas. Um exemplo é Coronel Sapucaia (MS), que faz fronteira com Paraguai e registra 103 assassinatos a cada 100.000 habitantes, o que a torna a quinta cidade mais violenta do país.
2. Arco do desmatamento amazônico: cidades que vivem do desmatamento ilegal, o que gera pistolagem e violência. Na média dos últimos cinco anos, Tailândia (PA) é o município mais violento do país, com mais de 130 assassinatos a cada 100.000 habitantes.
3. Zona de pistolagem tradicional: típica do Nordeste, onde o coronelismo prevalece. Exemplo clássico é o polígono da maconha, em Pernambuco. A cidade de Belém de São Francisco tem média de 43 assassinatos a cada 100.000 habitantes.
4. Novos municípios atrativos para investimentos e população: o crescimento de cidades no interior faz com que, muitas vezes, a criminalidade se organize antes do poder público. O polo de agricultura irrigada de Petrolina (PE) é um exemplo. A cidade tem 54,1 homicídios a cada 100.000 habitantes.
5. Turismo de fim de semana: em São Paulo, os últimos anos marcaram um aumento da violência em cidades litorâneas como Guarujá e Santos, que registram o dobro da média de assassinatos do estado (22,6 a cada 100.000 habitantes). Angra dos Reis (RJ) tem 24,4 a cada 100.000.
Mortes por homicídio aumentaram 32% no país em 15 anos
A taxa de morte por homicídios no Brasil aumentou aproximadamente 32% em 15 anos. É o que mostra um estudo do Ministério da Saúde divulgado nesta quarta-feira pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
De acordo com o levantamento, a taxa de mortes por homicídio a cada 100.000 habitantes saltou de 19,2 em 1992 para 25,4 em 2007 – um acréscimo de 6,2 em números absolutos. Enquanto entre 1992 e 2003 houve um aumento no coeficiente, a partir de 2004 observa-se uma tendência de queda.
A pesquisa mostra ainda que a incidência de morte por homicídio entre os homens é, em média, 10 vezes maior do que entre as mulheres. Em 2007, por exemplo, a taxa masculina foi de 47,7 mortes a cada 100.000 habitantes, ante 3,9 entre as mulheres. Em 1992, era de 35,6 para os homens e de 3,2 para as mulheres.
O levantamento aponta o estado de Alagoas como o líder na taxa de mortes por homicídio, com média de 59,5 para cada 100.000 habitantes em 2007. Em seguida estão Espírito Santo (53,3) e Pernambuco (53). O Rio de Janeiro ocupava o quarto lugar em 2007, com taxa de 41,5. Já Santa Catarina (10,4), Piauí (12,4) e São Paulo (15,4) eram os estados com as menores taxas.
O IBGE argumenta que os óbitos por homicídios afetam a esperança de vida da população brasileira, que não é superior justamente por causa dos altos índices de morte prematura, sobretudo de jovens do sexo masculino. Os dados foram divulgados na pesquisa Indicadores de Desenvolvimento Sustentável, referente ao ano de 2010.
MEIO AMBIENTE - PRESERVAÇÃO E DESENVOLVIMENTO |
Cerca de 75% das emissões brasileiras de gases de efeito estufa provêm do desmatamento na Amazônia e de queimadas no cerrado - fruto da expansão da agropecuária. Há um desafio pela frente: planejar a exploração dessas áreas, garantindo ao mesmo tempo preservação de biomas riquíssimos e desenvolvimento econômico.
Por que o desmatamento está caindo no Brasil?
Há algumas semanas, o ministério do Meio Ambiente anunciou que o desmatamento medido na Amazônia entre agosto de 2009 e junho de 2010 foi 49% inferior ao registrado no período anterior (2008-2009). Outro número confirma a desaceleração da motosserra: em junho deste ano, 244 km² de vegetação foram colocados no chão, ante 578 km² apurados no mesmo mês do ano passado. Trata-se de uma redução de 58%. O desmatamento está em queda contínua desde 2004 (com exceção do ano de 2008): em todo esse período, a redução chega a 75%.
Quem também notou essa desaceleração foi a FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação). Em março, o órgão publicou relatório com uma má e uma boa notícia: o Brasil ainda é o primeiro colocado no ranking dos países que mais desmatam no mundo, mas, por outro lado, entre 2000 e 2010, desmatou em média 2,6 milhões de hectares de florestas por ano - menos do que os 2,9 milhões anuais do período 1990-2000. Ou seja, a situação está melhorando. Mas, afinal, o que estamos fazendo para exibir números tão promissores?
Para Claudio Maretti, superintendente de conservação para os Programas Regionais do WWF-Brasil (Fundo Mundial para a Natureza, organização de conservação do ambiente), o principal motivo foi a criação de unidades de conservação (UCs) na Amazônia: parques nacionais e reservas particulares, indígenas e extrativistas. “Quase 50% da Amazônia brasileira está incluída em unidades de conservação e reservas indígenas”, afirma Maretti. Desde 2000, quando a lei que criou as unidades de conservação foi instituída, as áreas protegidas passaram de 24 milhões para 32 milhões de hectares. “A meta é chegar a 60 milhões.”
Mauro Pires, diretor de políticas de combate ao desmatamento do ministério do Meio Ambiente, também coloca entre as razões dos bons números a criação dos sistemas de monitoramento via satélite, que ajudam na fiscalização feita pelo Ibama. “Antes o monitoramento era feito às cegas”, conta. “Com o Deter (Detecção do Desmatamento em Tempo Real), implementado em 2004, o Ibama recebe imagens a cada 15 dias.” Com os dados em mãos, os agentes se deslocam com a Polícia Federal e com a Guarda Nacional para as áreas que estão sendo desmatadas ilegalmente e aplicam as multas previstas na lei.
O sistema agora será implementado em outros biomas brasileiros, começando pelo cerrado, em setembro. Deverá ser expandido ainda para a caatinga e para o Pantanal.
Mata Atlântica - Entre 1985 e 2009, o desmatamento na Mata Atlântica caiu mais de 80%: passou de 107.296 hectares de desflorestamento, em 1985, para 20.802, em 2009. Originalmente, a cobertura florestal abrangia praticamente todo o litoral brasileiro, se estendendo ainda ao Ceará. No interior do território, atingia Goiás e Mato Grosso do Sul, além de áreas no Paraguai e na Argentina (o Parque do Iguaçu é formado por Mata Atlântica).
A queda coincide com a criação de entidades e leis que passaram a proteger a Mata Atlântica. Uma das normas criou as Reservas Particulares de Patrimônio Natural (RPPNs). “São áreas particulares que se tornam locais de proteção em caráter perpétuo, por vontade do proprietário, como se fossem um parque”, explica Marcia Hirota, diretora de gestão do conhecimento da Fundação SOS Mata Atlântica. Já existem mais de 600 na Mata Atlântica, mais do que em qualquer outra região do Brasil.
O próximo passo, segundo Marcia, é a restauração da mata. Desde 2000, foram plantadas 20 milhões de mudas de árvores pelo programa Florestas do Futuro e Clickarvore. Elas ocupam 12.000 hectares, principalmente nas margens de rios, que ajudam a preservar os 7,91% que restam da cobertura original da Mata Atlântica.
País verde - Na prática, nenhum país do mundo conserva tantas florestas como o Brasil. Segundo Mauro Pires, 75% das áreas de proteção criadas no mundo estão no Brasil. Mesmo o Pantanal, que tem apenas 3% de sua área sob proteção, mantém 80% de seu bioma em boas condições. Medidas como fim dos empréstimos feitos por bancos estatais a proprietários de áreas onde há desmatamento ilegal também cortaram a fonte que abastecia os responsáveis por 40% do desmatamento na Amazônia, aponta Claudio Maretti, do WWF.
A fiscalização também se tornou mais intensa. Os 43 municípios que mais desmatam na Amazônia são vigiados de perto pelo Ibama. "Estamos aprendendo a lidar com esse problema, que não é só ambiental, mas social também", afirma Pires.
Esgoto é o maior vilão ambiental brasileiro, diz pesquisador
Doutor em ecologia pela Universidade de Montpellier, na França, e pesquisador há três décadas da estatal Embrapa, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, Evaristo de Miranda, de 58 anos, qualifica as queimadas que assolam a Amazônia e o cerrado de "prática do Neolítico". Quer dizer com isso, claro, que essas são técnicas primitivas para um país que quer e precisa se modernizar. Por isso, o especialista propõe a aposta na tecnologia. É a inovação que pode permitir ao Brasil um futuro sustentável, que combine preservação ambiental e exploração racional das fontes naturais. A boa notícia é que parte disso já é realidade. “A produção de alimentos está aumentando há trinta anos principalmente devido ao aumento da tecnologia, e não à expansão de novas áreas de plantio”, diz Miranda. Na entrevista a seguir, ele defende o agronegócio, comenta o projeto do novo Código Florestal, que deverá mexer na produção vinda do campo, critica os números que colocam o Brasil entre os maiores poluidores do planeta e surpreende: para ele, o maior desafio brasileiro no campo ambiental é ampliar e melhorar o saneamento básico nas áreas urbanas e rurais.
Qual é o maior problema ambiental do Brasil hoje?
A falta de coleta e tratamento de esgoto. Segundo dados do IBGE, quase 100 milhões de brasileiros vivem sem coleta de esgoto, que contamina os solos, corre a céu aberto e é fonte de graves doenças, responsáveis por 30% de nossa mortalidade. Do esgoto coletado, o Brasil trata apenas 10%. O resto vai direto para os rios.
Então, essa deveria ser a prioridade ambiental atualmente?
Sim. A prioridade deveria ser o saneamento básico em áreas urbanas e rurais, ampliando e melhorando a coleta e o tratamento do lixo e do esgoto, sobretudo na Amazônia e no Nordeste. Isso levaria a uma recuperação extraordinária dos rios e do litoral, de seus peixes, da flora e da fauna. Ainda garantiria a redução da mortalidade infantil e a melhoria da saúde para mais de 100 milhões de pessoas. Quantas ONGs internacionais interessadas no meio ambiente militam por essa causa ou financiam projetos de saneamento no Brasil?
O Brasil é apontado como o quarto maior poluidor do clima no mundo. O IBGE afirma que 75% das emissões de gases tóxicos vêm dos desmatamentos e queimadas, principalmente na Amazônia. O quanto devemos ficar preocupados com esses números?
Para comparar emissões totais, seria necessário incluir os dados de desmatamentos e queimadas dos outros países, e não só do Brasil. Se não for assim, é uma comparação desonesta. Será que os russos vão incluir no cálculo de suas emissões os atuais incêndios florestais, por exemplo? E os Estados Unidos incluem os desmatamentos do estado de Washington e as emissões resultantes da queima das florestas da Califórnia? Entre 2000 e 2005, o desmatamento total do Brasil foi de 165.000 km2, o do Canadá de 160.000 km2 e o dos Estados Unidos de 120.000 km2. Esses dados foram publicados pela Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos. Se todos incluírem seus desmatamentos e queimadas, aí, sim, dá para comparar.
Mesmo assim, as queimadas constituem um problema. Como acabar com isso?
Grande parte das queimadas brasileiras não contribui para o acúmulo de CO2 na atmosfera. Em termos de CO2 de origem fóssil, pelos dados de 2008 da EIA (Energy Information Administration, órgão americano que coleta e analisa dados sobre energia), o Brasil ocupava a 17ª posição - após China, Estados Unidos, Rússia, Índia, Japão e outros. Se levar em conta o consumo per capita, caímos ainda mais, para a 123ª posição. Quando o capim ou a cana-de-açúcar voltam a crescer, eles retiram da atmosfera a mesma quantidade de carbono emitida na queima. De qualquer forma, nada justifica essa prática do Neolítico, a ser banida da agricultura. Há vinte anos eu pesquiso e monitoro as queimadas por satélite. O uso agrícola do fogo deve ser substituído por tecnologia moderna.
O agronegócio garante ao brasileiro comida barata. Segundo o levantamento que o senhor fez no Embrapa, legalmente não há mais espaço para expandir a agricultura no Brasil. Por que a agricultura é considerada vilã do meio ambiente no Brasil? Faz sentido essa visão?
Não faz o menor sentido. O Brasil tem uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo, com 47% de energia renovável, em que 29,5% vêm da agricultura. A cana-de-açúcar gera hoje mais energia – graças ao etanol e à produção de energia elétrica nas usinas com o bagaço – que todas as hidrelétricas juntas. A produção de alimentos está aumentando há trinta anos principalmente devido ao aumento da tecnologia e não à expansão de novas áreas de plantio. As cidades, sobretudo as grandes, são as maiores vilãs do meio ambiente, por sua demanda de recursos, pelo consumismo, pelo desperdício e por todos os impactos qualitativos e quantitativos que geram.
A proposta do novo Código Florestal, de autoria do deputado Aldo Rebelo, traz avanços reais para a questão do meio ambiente no Brasil?
Creio que sim. Ele procura compatibilizar a proteção dos biomas com a legítima e necessária exploração do território nacional, em benefício do povo brasileiro. Ele incorpora novos conhecimentos científicos e reconhece as particularidades de nossos biomas e das diversas agriculturas existentes no Brasil. Ele respeita as áreas agrícolas consolidadas em conformidade com a legislação de seu tempo.
Como fazer o crescimento econômico e a sustentabilidade andarem juntos?
Com inovação. Inovando na forma de produzir, na gestão da energia e dos resíduos, no uso de tecnologias modernas, nas parcerias, no consumo consciente e buscando sempre soluções de longo prazo. A pesquisa científica tem um papel fundamental no desenvolvimento da inovação para os processos produtivos, tanto na agricultura como na indústria. Infelizmente, ainda existe muita gente especializada em planejar o que não executa para depois avaliar o que não fez. Eles só atrapalham na busca dessa sustentabilidade.
Por que o desmatamento está caindo no Brasil?
Há algumas semanas, o ministério do Meio Ambiente anunciou que o desmatamento medido na Amazônia entre agosto de 2009 e junho de 2010 foi 49% inferior ao registrado no período anterior (2008-2009). Outro número confirma a desaceleração da motosserra: em junho deste ano, 244 km² de vegetação foram colocados no chão, ante 578 km² apurados no mesmo mês do ano passado. Trata-se de uma redução de 58%. O desmatamento está em queda contínua desde 2004 (com exceção do ano de 2008): em todo esse período, a redução chega a 75%.
Quem também notou essa desaceleração foi a FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação). Em março, o órgão publicou relatório com uma má e uma boa notícia: o Brasil ainda é o primeiro colocado no ranking dos países que mais desmatam no mundo, mas, por outro lado, entre 2000 e 2010, desmatou em média 2,6 milhões de hectares de florestas por ano - menos do que os 2,9 milhões anuais do período 1990-2000. Ou seja, a situação está melhorando. Mas, afinal, o que estamos fazendo para exibir números tão promissores?
Para Claudio Maretti, superintendente de conservação para os Programas Regionais do WWF-Brasil (Fundo Mundial para a Natureza, organização de conservação do ambiente), o principal motivo foi a criação de unidades de conservação (UCs) na Amazônia: parques nacionais e reservas particulares, indígenas e extrativistas. “Quase 50% da Amazônia brasileira está incluída em unidades de conservação e reservas indígenas”, afirma Maretti. Desde 2000, quando a lei que criou as unidades de conservação foi instituída, as áreas protegidas passaram de 24 milhões para 32 milhões de hectares. “A meta é chegar a 60 milhões.”
Mauro Pires, diretor de políticas de combate ao desmatamento do ministério do Meio Ambiente, também coloca entre as razões dos bons números a criação dos sistemas de monitoramento via satélite, que ajudam na fiscalização feita pelo Ibama. “Antes o monitoramento era feito às cegas”, conta. “Com o Deter (Detecção do Desmatamento em Tempo Real), implementado em 2004, o Ibama recebe imagens a cada 15 dias.” Com os dados em mãos, os agentes se deslocam com a Polícia Federal e com a Guarda Nacional para as áreas que estão sendo desmatadas ilegalmente e aplicam as multas previstas na lei.
O sistema agora será implementado em outros biomas brasileiros, começando pelo cerrado, em setembro. Deverá ser expandido ainda para a caatinga e para o Pantanal.
Mata Atlântica - Entre 1985 e 2009, o desmatamento na Mata Atlântica caiu mais de 80%: passou de 107.296 hectares de desflorestamento, em 1985, para 20.802, em 2009. Originalmente, a cobertura florestal abrangia praticamente todo o litoral brasileiro, se estendendo ainda ao Ceará. No interior do território, atingia Goiás e Mato Grosso do Sul, além de áreas no Paraguai e na Argentina (o Parque do Iguaçu é formado por Mata Atlântica).
A queda coincide com a criação de entidades e leis que passaram a proteger a Mata Atlântica. Uma das normas criou as Reservas Particulares de Patrimônio Natural (RPPNs). “São áreas particulares que se tornam locais de proteção em caráter perpétuo, por vontade do proprietário, como se fossem um parque”, explica Marcia Hirota, diretora de gestão do conhecimento da Fundação SOS Mata Atlântica. Já existem mais de 600 na Mata Atlântica, mais do que em qualquer outra região do Brasil.
O próximo passo, segundo Marcia, é a restauração da mata. Desde 2000, foram plantadas 20 milhões de mudas de árvores pelo programa Florestas do Futuro e Clickarvore. Elas ocupam 12.000 hectares, principalmente nas margens de rios, que ajudam a preservar os 7,91% que restam da cobertura original da Mata Atlântica.
País verde - Na prática, nenhum país do mundo conserva tantas florestas como o Brasil. Segundo Mauro Pires, 75% das áreas de proteção criadas no mundo estão no Brasil. Mesmo o Pantanal, que tem apenas 3% de sua área sob proteção, mantém 80% de seu bioma em boas condições. Medidas como fim dos empréstimos feitos por bancos estatais a proprietários de áreas onde há desmatamento ilegal também cortaram a fonte que abastecia os responsáveis por 40% do desmatamento na Amazônia, aponta Claudio Maretti, do WWF.
A fiscalização também se tornou mais intensa. Os 43 municípios que mais desmatam na Amazônia são vigiados de perto pelo Ibama. "Estamos aprendendo a lidar com esse problema, que não é só ambiental, mas social também", afirma Pires.
Esgoto é o maior vilão ambiental brasileiro, diz pesquisador
Doutor em ecologia pela Universidade de Montpellier, na França, e pesquisador há três décadas da estatal Embrapa, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, Evaristo de Miranda, de 58 anos, qualifica as queimadas que assolam a Amazônia e o cerrado de "prática do Neolítico". Quer dizer com isso, claro, que essas são técnicas primitivas para um país que quer e precisa se modernizar. Por isso, o especialista propõe a aposta na tecnologia. É a inovação que pode permitir ao Brasil um futuro sustentável, que combine preservação ambiental e exploração racional das fontes naturais. A boa notícia é que parte disso já é realidade. “A produção de alimentos está aumentando há trinta anos principalmente devido ao aumento da tecnologia, e não à expansão de novas áreas de plantio”, diz Miranda. Na entrevista a seguir, ele defende o agronegócio, comenta o projeto do novo Código Florestal, que deverá mexer na produção vinda do campo, critica os números que colocam o Brasil entre os maiores poluidores do planeta e surpreende: para ele, o maior desafio brasileiro no campo ambiental é ampliar e melhorar o saneamento básico nas áreas urbanas e rurais.
Qual é o maior problema ambiental do Brasil hoje?
A falta de coleta e tratamento de esgoto. Segundo dados do IBGE, quase 100 milhões de brasileiros vivem sem coleta de esgoto, que contamina os solos, corre a céu aberto e é fonte de graves doenças, responsáveis por 30% de nossa mortalidade. Do esgoto coletado, o Brasil trata apenas 10%. O resto vai direto para os rios.
Então, essa deveria ser a prioridade ambiental atualmente?
Sim. A prioridade deveria ser o saneamento básico em áreas urbanas e rurais, ampliando e melhorando a coleta e o tratamento do lixo e do esgoto, sobretudo na Amazônia e no Nordeste. Isso levaria a uma recuperação extraordinária dos rios e do litoral, de seus peixes, da flora e da fauna. Ainda garantiria a redução da mortalidade infantil e a melhoria da saúde para mais de 100 milhões de pessoas. Quantas ONGs internacionais interessadas no meio ambiente militam por essa causa ou financiam projetos de saneamento no Brasil?
O Brasil é apontado como o quarto maior poluidor do clima no mundo. O IBGE afirma que 75% das emissões de gases tóxicos vêm dos desmatamentos e queimadas, principalmente na Amazônia. O quanto devemos ficar preocupados com esses números?
Para comparar emissões totais, seria necessário incluir os dados de desmatamentos e queimadas dos outros países, e não só do Brasil. Se não for assim, é uma comparação desonesta. Será que os russos vão incluir no cálculo de suas emissões os atuais incêndios florestais, por exemplo? E os Estados Unidos incluem os desmatamentos do estado de Washington e as emissões resultantes da queima das florestas da Califórnia? Entre 2000 e 2005, o desmatamento total do Brasil foi de 165.000 km2, o do Canadá de 160.000 km2 e o dos Estados Unidos de 120.000 km2. Esses dados foram publicados pela Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos. Se todos incluírem seus desmatamentos e queimadas, aí, sim, dá para comparar.
Mesmo assim, as queimadas constituem um problema. Como acabar com isso?
Grande parte das queimadas brasileiras não contribui para o acúmulo de CO2 na atmosfera. Em termos de CO2 de origem fóssil, pelos dados de 2008 da EIA (Energy Information Administration, órgão americano que coleta e analisa dados sobre energia), o Brasil ocupava a 17ª posição - após China, Estados Unidos, Rússia, Índia, Japão e outros. Se levar em conta o consumo per capita, caímos ainda mais, para a 123ª posição. Quando o capim ou a cana-de-açúcar voltam a crescer, eles retiram da atmosfera a mesma quantidade de carbono emitida na queima. De qualquer forma, nada justifica essa prática do Neolítico, a ser banida da agricultura. Há vinte anos eu pesquiso e monitoro as queimadas por satélite. O uso agrícola do fogo deve ser substituído por tecnologia moderna.
O agronegócio garante ao brasileiro comida barata. Segundo o levantamento que o senhor fez no Embrapa, legalmente não há mais espaço para expandir a agricultura no Brasil. Por que a agricultura é considerada vilã do meio ambiente no Brasil? Faz sentido essa visão?
Não faz o menor sentido. O Brasil tem uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo, com 47% de energia renovável, em que 29,5% vêm da agricultura. A cana-de-açúcar gera hoje mais energia – graças ao etanol e à produção de energia elétrica nas usinas com o bagaço – que todas as hidrelétricas juntas. A produção de alimentos está aumentando há trinta anos principalmente devido ao aumento da tecnologia e não à expansão de novas áreas de plantio. As cidades, sobretudo as grandes, são as maiores vilãs do meio ambiente, por sua demanda de recursos, pelo consumismo, pelo desperdício e por todos os impactos qualitativos e quantitativos que geram.
A proposta do novo Código Florestal, de autoria do deputado Aldo Rebelo, traz avanços reais para a questão do meio ambiente no Brasil?
Creio que sim. Ele procura compatibilizar a proteção dos biomas com a legítima e necessária exploração do território nacional, em benefício do povo brasileiro. Ele incorpora novos conhecimentos científicos e reconhece as particularidades de nossos biomas e das diversas agriculturas existentes no Brasil. Ele respeita as áreas agrícolas consolidadas em conformidade com a legislação de seu tempo.
Como fazer o crescimento econômico e a sustentabilidade andarem juntos?
Com inovação. Inovando na forma de produzir, na gestão da energia e dos resíduos, no uso de tecnologias modernas, nas parcerias, no consumo consciente e buscando sempre soluções de longo prazo. A pesquisa científica tem um papel fundamental no desenvolvimento da inovação para os processos produtivos, tanto na agricultura como na indústria. Infelizmente, ainda existe muita gente especializada em planejar o que não executa para depois avaliar o que não fez. Eles só atrapalham na busca dessa sustentabilidade.
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