A eleição do Presidente Obama consitui o início de uma nova era na sociedade americana e, talvez, nas relações internacionais contemporâneas. No plano interno, produz mudanças relevantes nas esferas política e econômica; no âmbito externo, promete transformações institucionais e novas práticas políticas que poderão melhorar a inserção internacional dos EUA. Esta eleição enseja câmbios na agenda conservadora que domina o debate político nos EUA há cerca de quatro décadas. Com a sagaz percepção de que manipular valores, inclusive religiosos, pode servir a objetivos político-eleitorais na sociedade americana, Nixon iniciou este processo. A parcela conservadora da academia americana e seus thinktanks, responsáveis por cerca de dois terços das publicações em periódicos formadores de opinião, habilmente construiu uma espécie de consenso em torno da promoção de alguns valores fundamentais naquela sociedade, particularmente a promoção das liberdades individuais e a redução da capacidade reguladora do Estado. O ápice deste processo ocorreu no Governo Reagan, cujas reformas deram um norte
a uma sociedade desencantada com sua capacidade de vencer a Guerra Fria e de enfrentar a ameaça do Oriente, então associada ao Japão. O resultado é conhecido: no plano políticoestratégico, essa mudança de parâmetros levou à desintegração da União Soviética e reafirmou o modelo de organização social e política ocidental. No econômico, recolocou os EUA na liderança da economia mundial, mediante notável capacidade de inovação e reorganização de cadeias produtivas – o que condicionou, entre outros fenômenos, a ascensão da China à condição de potência mundial.
a uma sociedade desencantada com sua capacidade de vencer a Guerra Fria e de enfrentar a ameaça do Oriente, então associada ao Japão. O resultado é conhecido: no plano políticoestratégico, essa mudança de parâmetros levou à desintegração da União Soviética e reafirmou o modelo de organização social e política ocidental. No econômico, recolocou os EUA na liderança da economia mundial, mediante notável capacidade de inovação e reorganização de cadeias produtivas – o que condicionou, entre outros fenômenos, a ascensão da China à condição de potência mundial.
O processo não se encerrou ali. Ao contrário, aprofundou-se, por meio do “Contrato com a América”, idealizado pela maioria conservadora no Congresso, que tornou o interregno Clinton refém dessa agenda. Em certo sentido, se imaginarmos um espectro político com as extremidades “esquerda” e “direita”, logrou-se deslocar o “centro” para a “direita”. É como se os acordos políticos se tivessem materializado sempre à direita, de modo a servir aos interesses da mais ampla liberdade individual e a reduzir ao mínimo a intervenção governamental na economia e na sociedade. Isso levou a excessos, especialmente no campo das finanças e da produção. Isso reduziu os níveis de solidariedade entre os americanos e aprofundou as injustiças sociais de modo inédito na história do País. É essa era que chega ao fim, face à emergência de um consenso sobre a necessidade de se reduzirem as assimetrias e de se ampliar a capacidade de intervenção do Estado na economia, em nome do bem comum. Obama tem hoje a oportunidade de deslocar o “centro” para a esquerda, em favor de uma sociedade mais justa. É uma visão de futuro que retorna ao centro da ação política, com a força própria às idéias cujo tempo chegou. Foi assim com o New Deal de Roosevelt, foi assim com a Grande Sociedade de Johnson. Em ambos os casos, os democratas assumiram maioria no Congresso, como ocorre agora. Obama encontra contexto assemelhado, embora sua eleição se tenha dado por margem muito modesta e sua maioria seja estreita. Não se trata de apagar o legado de Reagan ou de retomar propostas semelhantes às de Johnson e Roosevelt. Trata-se, isto sim, de interpretar as necessidades do presente à luz dessas experiências. E de agir adequadamente. Resta saber se Obama terá a grandeza desses líderes. Até agora, ele revelou possuir extraordinária percepção e habilidade política. Construiu pontes no seio do Partido Democrata e deste para o Republicano, como ilustram a nomeação de Hillary Clinton e a
manutenção de Robert Gates. Pregou a conciliação, a humildade e a necessidade de se trabalhar duro, com base nas boas idéias, para se construir um futuro melhor. Principalmente, se der certo, promete virar a página mais sangrenta da história americana, deixando no passado o problema racial. Obama tem ainda a vantagem de substituir um péssimo governo. O simples contraste lhe beneficia. Entre os muitos erros de Bush, o pior foi dilapidar a imagem da sociedade americana e seus valores, ao não assumir plena responsabilidade pelos abjetos crimes cometidos em Abu Ghraib e Guantánamo. Recuperar o respeito da comunidade internacional
pelos EUA será o maior desafio da nova administração no plano internacional. Suas primeiras iniciativas
apontam para fortalecer as instituições internacionais, de modo a torná-las mais representativas, em prol de
uma ordem mais justa. É um bom começo.
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