No Brasil, para ser médico basta pagar R$ 6 mil por mês, diz Cremesp
55% dos recém-formados foram reprovados em exame do Conselho de SP.
MEC diz que faz avaliação periódica rigorosa da qualidade dos cursos.
Cauê Fabiano
Do G1, em São Paulo
A má qualidade do ensino médico nas faculdades paulistas foi uma das
causas apontadas pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de São
Paulo (Cremesp) para a
reprovação de 55% dos estudantes recém-formados
que fizeram a última edição do exame aplicado pelo órgão. O maior
índice de reprovação foi para alunos que estudaram em instituições
particulares: 65,1%. Nas universidades públicas, a reprovação foi de
33%.
"No Brasil, para ser médico hoje, basta pagar R$ 6 mil por mês",
criticou Braulio Luna Filho, presidente do Cremesp e organizador do
exame, em referência ao valor médio das mensalidades das faculdades
particulares de medicina.
Ele sugere que o Cremesp faça um acompanhamento dos recém-formados que não são aprovados no exame
(veja no vídeo acima).
Renato Azevedo Júnior, primeiro-secretário do Cremesp, acrescenta: "As
nossas escolas não fazem uma avaliação adequada dos alunos. Todos os
alunos saem aprovados. Dos 100 alunos que entram, 100 saem formados."
O Ministério da Educação considera a crítica "inapropriada" e diz que
"a melhoria da formação médica é prioridade", destacando a
intensificação dos procedimentos de supervisão, aperfeiçoamento dos
instrumentos de avaliação in loco para os cursos de medicina e
implantação de um programa permanente de monitoramento.
Números mostram alto índice de reprovação no Exame do Cremesp (Foto: Cauê Fabiano/G1)
O
G1 entrou em contato com a Federação Nacional das
Escolas Particulares (Fenep) para comentar as declarações dos diretores
do Cremesp, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.
Obrigatório, mas não impeditivo
Ao todo, 2.891 recém-formados, de 20 universidades particulares e dez
públicas fizeram a prova, sendo 1.302 aprovados e 1.589 reprovados. Para
ser aprovado, era preciso acertar 60% das 120 questões de múltipla
escolha.
O exame passou a ser obrigatório em 2012, e desde esse ano os índices
de reprovação são acima de 50%. Na edição de 2013, 59,2% dos
participantes reprovaram.
Segundo o Cremesp, das 30 escolas participantes do exame do ano
passado, 20 não conseguiram atingir a nota de corte. As cinco maiores
notas foram de instituições públicas. e as dez piores, de faculdades
particulares.
Todo recém-formado que queira atuar como médico no estado de São Paulo
tem que fazer a prova do Cremesp. Mas não passar no exame não impede o
estudante de obter o certificado para exercer a medicina (CRM).
Tramita, no Senado Federal, desde 2004, o projeto de lei 217/2004 que
exige a aprovação em um exame nacional de proficiência de medicina para
exercício da profissão. Atualmente, nem a residência médica é exigida
para que recém-formados trabalhem como médicos.
Riscos
Renato Azevedo Junior, sublinhou que o resultado do exame mostra o
risco de profissionais não capacitados podem gerar. "Nós temos hoje
certeza de que o recém formado que não consegue acertar 60% da prova tem
graves problemas em sua reformação médica e não vai atender
adequadamente a população."
O primeiro-secretário afirma que é preciso "estabelecer leis" para impedir que os reprovados exerçam a medicina no Brasil.
Os representantes do Conselho apontaram a má qualidade das instituições
de ensino superior, as quais não teriam a estrutura para fornecerem um
curso adequado para os alunos.
"São abertas escolas de medicina que não têm condições de formar um
aluno de medicina. Não têm professores qualificados, não têm
laboratório, não têm biblioteca, não têm nada. Pior, não têm hospital
escola", enumerou Renato Azevedo Júnior, apontando em seguida o grande
número de escolas de medicina no estado de São Paulo.
Nós temos hoje certeza de que o recém formado que não consegue acertar
60% da prova tem graves problemas em sua reformação médica e não vai
atender adequadamente a população"
Renato Azevedo Jr., primeiro-secretário
do Cremesp
"Nós temos 30 escolas. O estado de São Paulo tem mais escolas de
medicina que a Inglaterra. Estamos com 246 escolas no Brasil, isso se
não abriu uma de ontem para hoje", afirmou Azevedo Junior.
Enade
O presidente do Cremesp também criticou a eficiência da avaliação de
conhecimento dos formandos em medicina feita pelo goveno com o Exame
Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade). "A prova do Enade é uma
boa prova, mas não tem consequência, nem para o aluno, nem para a
escola", diz Luna Filho.
"Não posso impedir que um incompetente se torne médico, e que ele tenha
o mesmo direito que eu tenho. Isso porque ele tem um papel que uma
instituição credenciada pelo MEC emitiu. E eu tenho que reconhecer",
completa o presidente do Cremesp.
MEC faz avaliação periódica
Em nota, o MEC diz que desenvolve ações para a maior qualidade dos
cursos de medicina do país como a "instituição de avaliação específica
para curso de graduação em medicina, a cada dois anos, com instrumentos e
métodos que avaliem conhecimentos, habilidades e atitudes, e de
avaliação específica anual para os Programas de Residência Médica".
Diz também que intensificou os procedimentos de "supervisão,
aperfeiçoamento dos instrumentos de avaliação in loco para os cursos de
medicina e implantação de um programa permanente de monitoramento dos
cursos".
"[Houve] intensificação dos procedimentos de supervisão,
aperfeiçoamento dos instrumentos de avaliação in loco para os cursos de
medicina e implantação de um programa permanente de monitoramento dos
cursos"
Ministério da Educação (MEC)
A pasta afirma que houve uma reformulação da política regulatória dos
cursos de medicina, "ampliando os critérios exigidos para o
funcionamento dos cursos", e que foi adotada uma "nova sistemática para
abertura de cursos de medicina, com a possibilidade de chamadas públicas
para apresentação de propostas de cursos a serem abertos em municípios
pré-selecionados".
Sobre as críticas ao Enade, o MEC afirma que "o Sistema Nacional de
Avaliação da Educação Superior (Sinaes) não se baseia somente numa prova
pontual, isolada, como é o exame realizado pelo Cremesp" e que, além do
Enade, há etapas de "auto-avaliação da instituição e avaliação externa
in loco, realizada pelo Inep, com a contribuição de especialistas na
área de educação médica".
O MEC apresentou em dezembro de 2014 um conjunto de mais de 20 cursos
de medicina que tiveram conceito insatisfatório, e que entrarão em
processo de supervisão por parte da autoridade regulatória. O governo
vai ainda criar 3.615 novas vagas de medicina em instituições federais
de educação até 2017.
Fonte: G1.com