Você acha que o termo "aldeia global", cunhado por Marshall McLuhan para definir as mudanças tecnológicas do contemporâneo é assunto atual? Pois saiba que as práticas de sobreposição cultural já existiam desde o descobrimento do Brasil, só não tinham esse nome. "O processo de globalização moderno tem início com a expansão do capitalismo no final do século 15, quando a Europa transborda seu território e unifica o globo, colocando o que hoje se chama das Américas em um sistema mundial cada vez mais integrado", afirma o professor Gustavo Lins Ribeiro, do departamento de antropologia da Universidade de Brasília (UnB).
No entanto, a fase da expansão capitalista conhecida como globalização e a utilização do termo começaram mesmo com o fim da Guerra Fria. Segundo o professor de história do Colégio Paulista (Copi) Fernando Caiafa Loureiro, é possível traçar um paralelo entre a expansão marítima e o fenômeno atual, mas deve-se ter em mente que isso é um anacronismo.
"Quando usamos termos de agora para explicar questões passadas, temos que tomar cuidado com essas apropriações, uma vez que tentamos enxergar o passado a partir de percepções do presente", alerta. Conforme Caiafa, o termo passa a ser usado a partir da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) para nomear a integração de mercados cada vez maior.
Já o professor de história do Sistema de Ensino Alfa, de Cascavel (PR), Julio Raizer, conhecido como Che, vai além: seguindo uma visão sociológica e histórica, a prática de tornar global uma cultura pode ser identificada desde a Idade Antiga, com a expansão do Império Romano, por exemplo.
De acordo com Ribeiro, dependendo de como se vê a história da expansão capitalista, é possível dividir a globalização em fases. "No final do século 15, houve a expansão mercantilista, que estabeleceu rotas e conexões inusitadas. A grande máquina dessa expansão era o barco. Depois, já no século 18, entramos na era do capitalismo industrial, que acelera o processo. Aqui a máquina principal era o trem", compara. O fenômeno acelera-se ao longo dos séculos 19 e 20 com revoluções cada vez mais intensas nos transportes e comunicação (telégrafo, rádio, automóvel, telefone, televisão, satélites). A vida social, cultural e política sofrem impactos com a aceleração, a fragmentação e os processos de desterritorialização.
A globalização como conhecemos, explica Ribeiro, é a intensificação do processo de encolhimento do mundo a partir da redução das distâncias pelos meios de comunicação. A integração político-econômica capitalista que se dá após o fim da Guerra Fria, marcada pela queda do muro de Berlim, pelo fim da União Soviética, sob a hegemonia do capitalismo eletrônico-informático também são particularidades do fenômeno. A grande característica desse processo, conta o professor de geografia do Colégio Paulista Gilberto Geretz, é aproximar o distante e distanciar o próximo, acabando com a definição de territórios. "As atividades econômicas, como a negociação do preço de commodities e a produção de automóveis, se transformaram em processos globais que envolvem o mercado do mundo todo. Os mecanismos não são mais locais, ainda que as ações sejam", explica.
'Capital não tem fronteiras, pessoas, sim', diz professor
Com o mercado financeiro mundial cada vez mais interdependente, os problemas econômicos também perpassam os limites territoriais. A partir da produção multinacional de bens, a crise em uma nação afeta todos os demais mercados. A crise da Grécia evidencia bem isso. "A partir de um problema em um país da zona periférica do euro, a economia da Itália e da Espanha foi influenciada. Os Estados Unidos também foram afetados e, consequentemente, o Brasil", analisa Caiafa.
Por outro lado, o processo contrário é percebido quando se trata do fluxo de indivíduos. De acordo com o professor de história do Colégio Paulista, enquanto o capital não tem fronteiras, as pessoas sim. "Vemos casos recorrentes de xenofobia, principalmente por causa da imigração árabe e africana na Europa. Esses trabalhadores aceitam receber salários menores que os europeus, o que causa descontentamento por parte dos locais". É o que o professor chama de um efeito social não equacionado da globalização.
Outra demonstração de descontentamento com a integração internacional, conta Raizer, são os movimentos sociais, como as manifestações da década de 1960 e a organização do Fórum Social Mundial, que se pretende um ponto de resistência e construção de alternativas às políticas neoliberais.
Daqui para frente, aposta o pesquisador da UnB, haverá um aprofundamento da hegemonia do capitalismo eletrônico-informático, aumentando a influência de lugares distantes. "Haverá uma mudança nas formas políticas de construir coletividades e de regular a interação com pessoas nascidas em outros países", afirma. Além disso, um conflito de escala imprevisível poderá ocorrer para regular a mudança da hegemonia do sistema mundial, que deverá passar dos Estados Unidos para a China. Se isto efetivamente ocorrer, equivalerá a um impacto semelhante ao das caravelas, isto é, será um impacto civilizacional que mudará a vida no planeta por séculos, prevê o professor.
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